tag:blogger.com,1999:blog-57539807864878179802024-03-05T15:35:31.142-08:00A lapidação da sílabaPoemas, contos,ensaios, crítica, recenções,traduções, livros,etc,e a inevitável e permanente loucura da lapidação da sílaba, da palavra que fere, mas, BRILHA!
»»>PÁGINA/BLOG em Construção<««João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.comBlogger35125tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-71175831425809689812011-07-02T08:28:00.000-07:002011-07-04T08:34:50.615-07:00"Tão importante que nem coisa é"<div style="text-align: justify;">Discurso de agradecimento no dia 21 de Março de 2011 [Dia Mundial da Poesia] na Guarda, na Biblioteca Eduardo Lourenço, Sala Tempo e Poesia, na sessão Solene de Entrega do "<span class="Apple-style-span" style="color: orange;">Prémio Literário Manuel António Pina</span>" ao meu livro "<span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000;">A Divina Pestilência</span>".</div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #ffd966;">.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="color: #ffd966;">.</span></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgYtM6V05SgeKapqvo92VC5PPAwJwjRR64IZvAI26BduVoGUcFo8eBLlZQn9EGXQoOlBQ_VHWqA0U6fvpMpR3FaA1B3IZwXxzMALS-JI9avZIc-TciA0YkNwSjEJB3F4svmR-RNT2pXjlI/s1600/Entrega+do+Pr%25C3%25A9mio+Liter%25C3%25A1rio+Manuel+Ant%25C3%25B3nio+Pina.Biblioteca+Municipal+Eduardo+Louren%25C3%25A7o.Guarda.%2528doc.1%2529.19.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgYtM6V05SgeKapqvo92VC5PPAwJwjRR64IZvAI26BduVoGUcFo8eBLlZQn9EGXQoOlBQ_VHWqA0U6fvpMpR3FaA1B3IZwXxzMALS-JI9avZIc-TciA0YkNwSjEJB3F4svmR-RNT2pXjlI/s400/Entrega+do+Pr%25C3%25A9mio+Liter%25C3%25A1rio+Manuel+Ant%25C3%25B3nio+Pina.Biblioteca+Municipal+Eduardo+Louren%25C3%25A7o.Guarda.%2528doc.1%2529.19.jpg" width="400" /></a></div><div style="text-align: justify;"></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="color: #ffd966;">.</span><br />
Ex.mo Sr. Presidente da Câmara Municipal da Guarda </div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;">Poeta Manuel António Pina</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;">Membros do júri</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;">Poetas presentes </div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;">Minhas Senhoras e meus Senhores</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><em><span style="font-style: normal;">Em primeiro lugar e acima de tudo, quero começar por exteriorizar a minha profunda alegria ao receber o </span>Prémio Literário Manuel António Pina. </em><em><span style="font-style: normal;">Alegria pelo prémio em si e alegria por ter sido agraciado por esta Edilidade, pois trata-se de uma Edilidade que representa uma região onde pontuam nomes como Rui de Pina, Nuno de Montemor, Virgílio Ferreira, Eduardo Lourenço, Américo Rodrigues e Manuel António Pina, só para citar algumas figuras proeminentes da literatura e da cultura portuguesas.<o:p></o:p></span></em></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><em><span style="font-style: normal;">Como podem imaginar, a atribuição do Prémio Literário Manuel António Pina faz com que me sinta extremamente honrado e reconhecido. Honrado não só pelo nome que o prémio ostenta e pelos seus membros do júri, mas também por se tratar de uma 1º Edição em que, tal como foi realçado pelo júri no comunicado de atribuição do prémio, a quantidade e qualidade das obras a concurso sublinham plenamente o reconhecimento literário de Manuel António Pina – hoje, sem dúvida, um dos mais importantes escritores portugueses, na sua criativa abrangência literária, que vai do teatro às crónicas ou da poesia à literatura infantil. Faço minhas as palavras de Eduardo Prado Coelho, no momento em que a Assírio & Alvim publicava a Poesia Reunida de Manuel António Pina: </span></em><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="color: black;">estamos em condições de poder afirmar que nos encontramos perante um dos grandes nomes da poesia portuguesa actual. Uma extrema delicadeza pessoal, uma discrição obsessiva, uma cultura ziguezagueante e desconcertante, mas sempre subtil e envolvente, um sentido profundo da complexidade da literatura, e também, sobretudo, da complexidade da vida, </span></i><span style="color: black;">(…)<i style="mso-bidi-font-style: normal;"> uma obra maior da literatura portuguesa”.</i></span><em><span style="font-style: normal;"><o:p></o:p></span></em></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;">Sim, só posso sentir-me honrado e agradecido – em muitos sentidos – pela atribuição deste prémio, para mais em sua primeira edição.</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;">Podemos interrogar-nos – e muitos se interrogam – acerca da utilidade da poesia. Hoje, neste Dia Mundial da Poesia, e depois das mais recentes catástrofes das últimas semanas, acredito, mais do que nunca, que o papel social e político da poesia continua tão imprescindível como no momento do seu surgimento no ritual colectivo de que a comunidade, então como hoje, necessitava para sobreviver: para passar o conhecimento e reinventar o mundo.</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><span style="color: black;">Atrevo-me a tomar emprestado o texto de José Saramago ao receber o Nobel, para responder à permanente questionação acerca da legitimidade e/ou utilidade desta arte: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">não</i> <i style="mso-bidi-font-style: normal;">parece que os governos tenham feito pelos direitos humanos tudo aquilo a que moralmente estavam obrigados.</i> <i style="mso-bidi-font-style: normal;">As injustiças multiplicam-se, as desigualdades agravam-se, a ignorância cresce, a miséria alastra. A mesma esquizofrénica humanidade capaz de enviar instrumentos a um planeta para estudar a composição das suas rochas, assiste indiferente à morte de milhões de pessoas pela fome. Chega-se mais facilmente a Marte do que ao nosso próprio semelhante. Alguém não anda a cumprir o seu dever. Não andam a cumpri-lo os governos, porque não sabem, porque não podem, ou porque não querem. Ou porque não lho permitem aquelas que efectivamente governam o mundo, as empresas multinacionais e pluricontinentais cujo poder, absolutamente não democrático, reduziu a quase nada o que ainda restava do ideal da democracia. Mas também não estão a cumprir o seu dever os cidadãos que somos.<o:p></o:p></i></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><span style="color: black;">Perante tais factos, que cada vez mais sentimos na carne, em todo o mundo e em especial aqui, neste lugar chamado Portugal, apetece mais uma vez perguntar e realçar: não é o poeta mais necessário do que nunca? <o:p></o:p></span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><span style="color: black;">Todos sabemos que com a poesia não se mata a fome, que não se compra pão com palavras, nem se curam os males da humanidade ou se repõe a dignidade do ser </span>humano. No entanto, se a proficuidade de uma realidade se analisar pela sua capacidade – de alguma forma inexplicável nos termos daqueles que perguntam – a sua capacidade, repito, de nos transformar mais em verdadeiros seres humanos, de nos facilitar crescer enquanto indivíduos, de conceder a possibilidade da nossa construção como criaturas livres, então, talvez possamos afirmar que a poesia se libertou também da sua condição de resíduo improfícuo que obstinadamente porfia em acumular-se nas prateleiras doiradas e brilhantes da literatura, da cultura e do mundo, ou dos mundos, em que vivemos, mas onde, por vezes, parecemos vegetar em meio do delírio consumista. </div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;">Para isso, cada vez mais, o estranhamento, as rupturas e o <i style="mso-bidi-font-style: normal;">ininterrupto poiésis </i>do verbo terão de desmentir a afirmação de Jean Cocteau, quando afirma que <i style="mso-bidi-font-style: normal;">A poesia é uma religião sem esperança</i>. A poesia é a prova provada da razoabilidade da esperança – já que é a poesia que nos permite reinventar o mundo, inaugurar novos espaços da existência humana futura – que não poderemos decerto, aqui, hoje, ainda sequer conceber. </div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;">Quero realçar o facto de essa esperança, essa ruptura e esse estranhamento estarem hoje aqui também de uma outra forma: com a atribuição do prémio a este desconhecido poeta de Coimbra – um poeta fora do centro (geográfico, académico e editorial) da poesia da cultura oficial portuguesa. </div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;">Decerto o encorajamento do projecto a que estou ligado desde quase o seu início, há cerca de 14 anos, a<i style="mso-bidi-font-style: normal;"> Oficina de Poesia</i> da FLUC (aqui representada pela sua coordenadora e fundadora, Prof. Dra. Graça Capinha) foi importante. Mesmo que após cerca de 14 anos de existência, 20 números da sua revista (onde já publicaram inéditos nomes como António Ramos Rosa, Ana Hatherly, Casimiro de Brito, Ana Luísa Amaral ou Adília Lopes, só para citar alguns nomes portugueses), mesmo que apesar de centenas de actividades pela “paisagem”, ou seja, fora de Lisboa e Porto (quer seja em leituras públicas, <i style="mso-bidi-font-style: normal;">workshops</i>, encontros de poetas, etc.), ainda hoje, este projecto não tenha qualquer visibilidade no centro literário de Portugal. </div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Mas reconhecimento é outra coisa e esse tem vindo dos locais e pessoas com quem se tem interagido ao longo deste percurso, uma vez que está longe das muralhas que guardam o Santo Graal do verbo canónico português – um percurso que, tal como no caso de muitos outros poetas portugueses, tem quase sempre ido do local ao transnacional, sem passar pelo nacional. Muitas vezes, e sobretudo, nas comunidades mais remotas onde tenho (com os meus colegas da <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Oficina de Poesia</i>, ao longo destes já quase 14 anos) levado a minha voz poética; nas escolas, onde crianças descobrem o espanto do poema (e a experiência de Belgais nunca a poderei esquecer); nos bares e cafés onde alguém, distraído, repara/tropeça no som do poema e inaugura outra visão do mundo – mas também, muitas vezes, nos diálogos com poetas de outros países e outras línguas (e muitas vezes de outras culturas), na abertura das suas publicações ao meu trabalho e no seu reconhecimento dele através da tradução e pequenos prémios.</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;">Esse tem sido também o meu percurso e, por isso, reafirmo uma vez mais o meu obrigado à Câmara Municipal da Guarda, mas sobretudo ao júri, pela escolha: não por escolherem uma obra minha (o que agradeço profundamente), mas sobretudo por escolherem o texto pelo texto, sem qualquer perturbação de ventos emanados de obscuridade poética lusíada.</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;"><em><span style="font-style: normal;">Para que serve então a poesia? Ah, a poesia! Pois ela servirá sempre <a href="http://www.blogger.com/post-edit.g?blogID=5753980786487817980&postID=7117583142580968981" name="_GoBack"></a>para as múltiplas utopias do ser humano, já que </span>Os poemas virão inclusos// quando afluir o orvalho,// chegarão antes do pecado.</em><o:p></o:p></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;">Como alguém já referiu, a poesia servirá para o mesmo fim que serve uma vaca no meio do passeio de uma complexa e agitada cidade: para alterar o percurso do nosso caminho, para interromper um hábito de estar calado, para provocar um estranhamento, para nos fazer ousar pensar, para nos resgatar do inferno que é viver todos os segundos sem um único assombro ou sonho, para nos livrar de andarmos sem escutar um único som verdadeiramente mágico – ou seja, para que seja possível ainda abrirmos os olhos e o coração, sem ter medo de viver escutando o ainda inconcebível. Se, ainda assim, se insistir em declarar que a poesia não serve para nada, só poderei contrapor o facto de que quase sempre é o nada, em sua extrema integridade, que nos dá o verdadeiro sentido da existência. </div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;">Como dizia Jorge de Sena: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">a poesia é a coisa mais importante do mundo, tão importante que nem coisa é. </i>Obrigado.<i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-size: 14pt; line-height: 115%;"> <o:p></o:p></span></i></div><div class="MsoNormal" style="line-height: 115%; text-align: justify;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="line-height: 115%;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> </span><span class="Apple-style-span" style="font-size: large;"><span class="Apple-style-span" style="color: orange;"> </span><b><span class="Apple-style-span" style="color: #38761d;">João Rasteiro</span></b></span><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"><o:p></o:p></span></span></i></div>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-11158424629896119062011-07-02T08:13:00.000-07:002011-07-02T08:17:30.138-07:00A Divina Pestilência<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, sans-serif;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: 15px;"><i><br />
</i></span></span></div><div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhIDKCjn5rymvQaHwUGt9Lxr8BuxWiafWgBkzBJDnQdLYN6T8xm6SiMYJFhcFXSbQUvaWIciYJrEOUbqpfpG3auOioM7A-FrQRpBMZo5y_2ASygMCeQJISDxG8aPBKcmxQwFJwq-MUX9v8/s1600/Kapa.1.A+divina+pestil%25C3%25AAncia.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhIDKCjn5rymvQaHwUGt9Lxr8BuxWiafWgBkzBJDnQdLYN6T8xm6SiMYJFhcFXSbQUvaWIciYJrEOUbqpfpG3auOioM7A-FrQRpBMZo5y_2ASygMCeQJISDxG8aPBKcmxQwFJwq-MUX9v8/s400/Kapa.1.A+divina+pestil%25C3%25AAncia.jpg" width="282" /></a></div><i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 11pt;"><br />
</span></i><br />
<i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 11pt;">E se a razão em ti não for escassa,</span></i><br />
<br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;"><i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 11pt;"> Verás que, enquanto a um vai por um lado,<o:p></o:p></span></i></div></div><div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;"><i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 11pt;"> Ao outro pelo oposto o sol perpassa.<o:p></o:p></span></i></div></div><div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;"><br />
</div></div><div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;"><b><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 11pt;"> <span class="Apple-style-span" style="color: #6aa84f;">Dante Alighieri </span><span class="Apple-style-span" style="color: #741b47;">–</span> </span></b><i><span style="font-family: Arial, sans-serif; font-size: 11pt;"><span class="Apple-style-span" style="color: red;">A Divina Comédia</span></span></i></div></div><div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><div style="margin-bottom: 0px; margin-left: 0px; margin-right: 0px; margin-top: 0px;"><span class="Apple-style-span" style="color: cyan;"><br />
</span></div></div></div><div class="MsoNormal"><span class="Apple-style-span" style="color: cyan; font-size: large;"><b>Celio</b></span><br />
<b><span class="Apple-style-span" style="color: orange;"><br />
</span></b><br />
<b><span class="Apple-style-span" style="color: orange;">1.</span></b></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">As aves já ressequiram.</div><div class="MsoNormal">Não haverá como fugir<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><o:p></o:p></b></div><div class="MsoNormal">aos olhos nus de Outono!<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><o:p></o:p></b></div><div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><br />
</div><div class="MsoNormal"><b><span class="Apple-style-span" style="color: orange;">2. </span><o:p></o:p></b></div><div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><br />
</div><div class="MsoNormal">Ambiciono o relâmpago nu.</div><div class="MsoNormal">Só o silêncio acorda a sílaba</div><div class="MsoNormal">e a desperta para a pestilência.</div><div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><br />
</div><div class="MsoNormal"><b><span class="Apple-style-span" style="color: orange;">3.</span><o:p></o:p></b></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">O que for escrito do hálito<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><o:p></o:p></b></div><div class="MsoNormal">será cumprido – a dilecção<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><o:p></o:p></b></div><div class="MsoNormal">é a sua extensão mais pura.<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><o:p></o:p></b></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><b><span class="Apple-style-span" style="color: orange;">4. </span><o:p></o:p></b></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Quando o cio desmembrar</div><div class="MsoNormal"> as fábulas sobre os cortiços, </div><div class="MsoNormal" style="tab-stops: 153.0pt 162.0pt;"> entranharei a terra de paixão? </div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><b><span class="Apple-style-span" style="color: orange;">5. </span><o:p></o:p></b></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal">Na efervescência das crias</div><div class="MsoNormal">as palavras como invasoras.<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><o:p></o:p></b></div><div class="MsoNormal">A crueldade como bálsamo.</div><div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><br />
</div><div class="MsoNormal"><b><span class="Apple-style-span" style="color: orange;">6.</span><o:p></o:p></b></div><div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><br />
</div><div class="MsoNormal">A matança é uma inferência,</div><div class="MsoNormal" style="tab-stops: 144.0pt 153.0pt 162.0pt;">nunca a criação permanecerá</div><div class="MsoNormal"><span class="maintext1"><i><span style="font-size: 10.5pt;"> </span></i></span><span class="maintext1"><span style="font-size: 10.5pt;">em sua aparente invisibilidade.<o:p></o:p></span></span></div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><span class="Apple-style-span" style="color: orange;"><b>7.</b></span></div><div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><br />
</div><div class="MsoNormal"><span class="maintext1"><span style="font-size: 10.5pt;">Em<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"> </b>vulcão de lava o verbo<o:p></o:p></span></span></div><div class="MsoNormal"><span class="maintext1"><span style="font-size: 10.5pt;"> procura florir uma ímpar flor:<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><o:p></o:p></b></span></span></div><div class="MsoNormal">desabando inteiro sob a língua!<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-family: Georgia, serif; font-size: 10.5pt;"><o:p></o:p></span></b></div><div class="MsoNormal"> <b><i><span class="Apple-style-span" style="color: #cc0000; font-size: large;">João Rasteiro</span></i></b></div>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-22167230714772397912011-02-06T11:29:00.000-08:002011-02-06T11:30:51.986-08:00DIACRÍTICO<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh4PYyzUQPel_SU01IeC54bK1rUOXN1LIzTJNiXRoWEHbsGl9K9KHwnVDsdxldMqFVALJvHmN6sX2eTTTWjAFlACRd52sv0nzxFEsRRGaDhZDfQtc3jxwgBFVskOi90lrjKDH2ziw_0XhA/s1600/capa.diacr%25C3%25ADtico.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh4PYyzUQPel_SU01IeC54bK1rUOXN1LIzTJNiXRoWEHbsGl9K9KHwnVDsdxldMqFVALJvHmN6sX2eTTTWjAFlACRd52sv0nzxFEsRRGaDhZDfQtc3jxwgBFVskOi90lrjKDH2ziw_0XhA/s320/capa.diacr%25C3%25ADtico.png" width="220" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br />
</div><br />
<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><i><span style="font-family: 'Monotype Corsiva'; font-size: 16pt;"><span class="Apple-style-span" style="color: #990000;"><b>PREFÁCIO</b></span></span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: 19px;"> </span></div><div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><br />
</div><div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 14pt;"><span class="Apple-style-span" style="color: blue;">REDUZIR AO HUMANO O DIVINO</span><o:p></o:p></span></div><div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center;"><span style="font-size: 14pt;"><o:p> </o:p></span> </div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"> Já o sabíamos: a poesia é, por definição, um acto criativo, e isso mesmo nos assegura o substantivo grego poiesis, que ao verbo poiein – "fazer", "criar" – foi buscar a raiz e a substância. É de criação que fala – que trata – o poema Diacrítico, de João Rasteiro. A diversos níveis, aliás. Como quando, por exemplo, ex contrario do que ensinam as gramáticas, o discurso começa com um ponto final, isto é, antes e não depois de encerrado o período. Como se, por desnecessário ou inútil, algo tivesse sido elidido, rasurado na página. Ou como se algo estivesse subentendido e o seu entendimento fosse confiado à sensibilidade e inteligência do leitor. Como suplemento ou, antes, como suprimento. Criação, também, pelas metamorfoses operadas no tecido verbal que subjaz à construção do poema. Criação, ainda, pelo uso alargado da metáfora e, sobretudo, da elipse, figura através da qual se engendram os desvios e as operações semânticas que conferem ao texto o seu estatuto de obra literária.</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;"> O poema, cujo título remete para uma ordem de natureza gramatical ou simplesmente linguística (os diacríticos, ensinam os dicionários, são sinais distintivos do timbre de certas vogais), divide-se em duas partes, cada uma delas subdividida em igual número de capítulos que funcionam como estrofes e valem como segmentos dum macrotexto cujo sentido se vai, dir-se-á, organizando e esclarecendo por si mesmo. Empurrada por um vento que sopra do deserto, a linguagem carrega consigo algumas pétalas que vai deixando na página <st1:personname productid="em branco. Portadoras" w:st="on">em branco. Portadoras</st1:personname> dum sentido originário, genesíaco, as palavras abrem sulcos num terreno onde o significado se oferece pleno de potencialidades e sugestões, carimbando de decantada expressão o corpo do poema. Tudo, aqui, é alusão. Tudo é profecia, oráculo, metamorfose. Tudo é, também, delírio. A linguagem é, como se lê no capítulo XVII da segunda secção, a "das vísceras condenadas à ilusão do verbo". Daí, talvez, o "surreal canto" para o qual somos convocados no segmento XIII da segunda secção, "A ressurreição das crias", ou aquele "deslumbrante espaço irracional" a que nos transporta o capítulo XVI da mesma secção. Espaço onde o deus sob vários modos e disfarces convocado para a cena se escreve com minúscula – outra forma de ao humano reduzir o divino, que é, parece-me, o escopo de toda a arte.</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"> Vila Nova de Gaia, 21 de Agosto de 2010</div><div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"> <b><span class="Apple-style-span" style="color: #741b47;">Albano Martins</span></b></div><div class="MsoNormal"><b><span class="Apple-style-span" style="color: #bf9000;">.</span></b></div><div class="MsoNormal"></div><div class="MsoNormal" style="font-family: 'Bodoni MT Condensed', serif; font-weight: bold; text-align: justify;"><b><span style="font-family: 'Bodoni MT', serif;"><span class="Apple-style-span" style="color: red; font-size: large;">VI</span><o:p></o:p></span></b></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b style="font-weight: bold;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Times, 'Times New Roman', serif;">.</span></b><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;">e por amor liberalizou-se o crime e o sacrifício das fêmeas em seu útero<b>.</b> seguiram-se dias de bárbaras festas onde os machos dançaram o êxtase das bocas<b>.</b> os loucos saboreiam as primaveras eivados de lua cheia<b>.</b> desnudos estiraram tições em fogo sobre as fêmeas para consolarem as exigências da carne<b>.</b> após as orgias aguardaram mais crias junto ao coração onde ocultamente a divina criação se digladia<b>.</b> e a seguir surgiram todos os outros seres inimigos dos filhos de deus<b>.</b> todos eles fecundados à sua imagem no altar do caos<b>.</b> a terra tinha então sido assestada pelos frutos cognitivos<b>.</b> os escolhidos foram amparados pelo arcanjo de marfim fluindo como rosas de feroz plenitude<b>.</b> que se reproduzam na noite da sua castidade e transitem nomes de inevitável perplexidade<b>.</b> que apazigúem os sonhos da argila<b>.</b> debaixo do núcleo venerável das oliveiras uma serpente glauca adormeceu de cansaço<b>.</b> </span></div><br />
<div class="MsoNormal"><br />
</div><div class="MsoNormal"><o:p><b> </b></o:p><b><span style="font-family: 'Bodoni MT', serif; font-size: 18pt;"><span class="Apple-style-span" style="color: red;">VIII</span></span></b></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b><span style="font-size: 14pt;">.</span></b>a arte mais sublime de trespassar a morte é descansar num nevoeiro a arder de sangue<b><span style="font-size: 14pt;">.</span></b> e mastigar a ferocidade das abismadas paisagens com a zoologia aberta do amor<b><span style="font-size: 14pt;">.</span></b> na agonia da pura inocência<b><span style="font-size: 14pt;">. </span></b>olhar o gume da lâmina prateada e amá-la exalando a sua boca atulhada em espaço lírico<b><span style="font-size: 14pt;">. </span></b>no ventre suculento das algas<b><span style="font-size: 14pt;">.</span></b> a renúncia do torpor é apenas a entrega incólume da candura e da vulva viva porque nos incutimos erectos<b><span style="font-size: 14pt;">.</span></b> o fingimento que evoca a mulher sufocada nos ganchos quando o poeta faz de homem sábio<b><span style="font-size: 14pt;">.</span></b> a magnólia cheirando a incesto nas palavras faustosas<b><span style="font-size: 14pt;">. </span></b>cada golpe luminoso é a acutilante pujança das orquídeas negras do nosso próprio eco<b><span style="font-size: 14pt;">.</span></b> a exígua morte<b><span style="font-size: 14pt;">.</span></b></span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-size: 14pt;"><br />
</span></b></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"></div><div class="MsoNormal" style="font-size: 14pt; font-weight: bold; text-align: justify;"><b><span style="font-family: 'Bodoni MT', serif; font-size: 18pt;"><span class="Apple-style-span" style="color: red;">XIV</span><o:p></o:p></span></b></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b style="font-size: 14pt; font-weight: bold;"><span style="font-size: 14pt;">.</span></b>tal como os fungos dos poços de Jerusalém a memória sagrada das tábuas é uma crisálida indecisa<b>.</b> aquela que se perdeu para sempre no fundo inóspito do próprio ventre de bunho<b>.</b> e parte larva parte meretriz chegaram os novos seres para talhar as cidades em metálicos e encorpados pulmões de cobre<b>.</b> há<span style="color: #c00000;"> </span>alguns homens que já só se arrastam conforme as ofídias que percorrem as cisternas em noites de lua cheia<b>.</b> o violento delírio de se verem reflectidos nos olhos da água<b>.</b> sob o nenúfar as suas escamas repousarão desinquietas pela última miragem<b>.</b> a outra face do pai que tecia argênteas teias de melancolia<b>.</b> é preciso recordar as prefigurações das trevas para se acolherem as metamorfoses<b>. </b>a benévola carícia<b>.</b> a ressurreição hodierna das crias<b>.</b> o eco colorido<b>.</b></span></div><div class="MsoNormal" style="font-size: 14pt; font-weight: bold; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><o:p></o:p></div><div class="MsoNormal" style="font-family: 'Bodoni MT', serif; font-size: 14pt; font-weight: bold; text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="font-family: 'Bodoni MT', serif; font-size: 14pt; font-weight: bold; text-align: justify;"><b><span style="font-family: 'Bodoni MT', serif; font-size: 18pt;"><span class="Apple-style-span" style="color: red;">XVII</span><o:p></o:p></span></b></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span class="Apple-style-span" style="font-family: Arial, Helvetica, sans-serif;"><b style="font-size: 14pt; font-weight: bold;"><span style="font-size: 14pt;">.</span></b>as crias já não sobrevivem sob a voragem do sol<b>.</b> bendita a luz dos astros que fulmina a paixão curvilínea das camélias brancas<b>. </b>nas cidades só o mármore e as negras aves<b>.</b> e na linha sísmica da cidadela a linguagem do delíquio dispersa o olfacto de néon entre presa e predador<b>.</b> a incisiva mecânica dos seres sem voz<b>.</b> criador e criatura<b>.</b> homem e deus<b>.</b> o infindo eco do desvario<b>. </b>o eterno diacrítico da ilusão<b>.</b> a deflagração do corpo<b>.</b> pojo<b style="font-size: 14pt; font-weight: bold;"><span style="font-size: 14pt;">. </span></b></span></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b style="font-family: 'Bodoni MT', serif; font-size: 14pt; font-weight: bold;"><span style="font-size: 14pt;"></span></b></div><div align="right" class="MsoNormal" style="display: inline !important; text-align: right;"><b style="font-family: 'Bodoni MT', serif; font-size: 14pt; font-weight: bold;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-size: 16pt;"><br />
</span></i></b></b></div><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b style="font-family: 'Bodoni MT', serif; font-size: 14pt; font-weight: bold;"><span style="font-size: 14pt;"></span></b><b style="font-family: 'Bodoni MT', serif; font-size: 14pt; font-weight: bold;"><span style="font-size: 14pt;"></span></b></div><div align="right" class="MsoNormal" style="display: inline !important; text-align: right;"><b style="font-family: 'Bodoni MT', serif; font-size: 14pt; font-weight: bold;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-size: 16pt;"> <span class="Apple-style-span" style="color: orange;">João Rasteiro</span></span></i></b></b></div><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b style="color: orange; font-family: 'Bodoni MT', serif; font-size: 14pt; font-weight: bold;"><span style="font-size: 14pt;"></span></b></div><div align="right" class="MsoNormal" style="display: inline !important; text-align: right;"><b style="color: orange; font-family: 'Bodoni MT', serif; font-size: 14pt; font-weight: bold;"><b><i><span style="font-size: 16pt;"></span></i></b></b></div><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Bodoni MT', serif; font-size: 19px; font-weight: bold;"><b><i><span style="font-size: 16pt;"><span class="Apple-style-span" style="color: orange;"> </span>2010</span></i></b></span>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-18835729304030069422010-05-26T17:09:00.000-07:002010-05-26T17:32:16.701-07:00A-POÉTICA<em><strong><span style="color:#cc0000;">A poesia como guerrilha, ou formas fundamentais de fazer política, através da anti-poética:</span></strong></em><br /><div align="justify"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiYhUU6kK8AjaKh1DM9lKaSbl9c-kRv22zjr072rYSuTHJhXScxqSqKWxDU_5FaB3qbmewXsGFybnjwAmCTiJzInxtJw5crA4cuG52fInx7WOk9aPqio-ekHJen8XiHVuS5Glf7Tz52yiU/s1600/berstein.(doc.1)"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5475736255253833794" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 271px; CURSOR: hand; HEIGHT: 320px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiYhUU6kK8AjaKh1DM9lKaSbl9c-kRv22zjr072rYSuTHJhXScxqSqKWxDU_5FaB3qbmewXsGFybnjwAmCTiJzInxtJw5crA4cuG52fInx7WOk9aPqio-ekHJen8XiHVuS5Glf7Tz52yiU/s320/berstein.(doc.1)" border="0" /></a>Se os "media" transmitem as imagens como sendo neutras, apesar de essa pseudo-neutralidade em si mesmo, já ser uma tomada de posição, na poesia e/ou literatura, não há, ou não deveria haver, neutralidade na ideologia. Fingir que se é neutro ou não militante, "é uma forma, por demais recorrente, de mistificação e má fé", que naturalmente, apenas pretende reforçar a autoridade das nossas convicções. A poesia deverá ser sempre a aversão à conformidade, na procura de uma dinâmica formal (em permanente processo e imediata fuga à regra), de modo que adequando e adequando-nos às diferenças, possamos começar a respirar mais profundamente. As formas de representação cultural, na sua diversidade, são as que começam por aceitar o modelo (formal) de representação da cultura dominante, daí que a poesia deverá fazer com que "seja possível ouvir sons que, de outro modo, nunca seriam articulados". Na perspectiva de <em><strong>Charles Bernstein</strong></em> (1), a linguagem poética tem de ter acção, tem de intervir, sendo que se paga um alto preço por se estar mais disposto a representar, do que a actuar, daí ser natural que o que a poesia trabalha é mais importante do que o que a poesia diz. É nesse contexto que se deverá entender o poema do poeta norte-americano, Michael Franco (2), com o irónico título,"Ensaio”:<br /><br />cada raiz enterrada entoa </div><div align="justify">"percurso" </div><div align="justify">cada vereda tomada, de igual modo uma decisão de movimento </div><div align="justify">e na acção </div><div align="justify">segue propõe ou </div><div align="justify">sufoca: </div><div align="justify"><br />"está morto" </div><div align="justify"> </div><div align="justify">Para muitos o espectro de cada palavra o ser </div><div align="justify"> </div><div align="justify">De mais a tolerar a </div><div align="justify">um corpo </div><div align="justify">de poesia. </div><div align="justify"><br />Neste processo intransponível de globalização, em que a cultura americana determina os modelos culturais que se tornam dominantes no mundo Ocidental, Bernstein realça a questão do poder da linguagem, preconizando que a poesia terá que ir ao encontro do que a ideologia coloca fora da linguagem (essencialmente o que está reprovado pela sociedade), tentando encontrar formas outras, como discurso epistemológico, que nos liberta ou arremessa para um sopro imaginário. Para isso, a poesia terá que abrir fendas, numa espécie de guerrilha (até porque não haverá poesia fora da ideologia), o importante será escrever poesia, numa lógica aberta do poema, que incluirá toda a multiplicidade de valores e toda a pluralidade da linguagem.<br />Ironicamente, <em><strong>Bernstein</strong></em> (3) espera que "a poesia deve ser pelo menos tão interessante como a televisão e bastante mais surpreendente", já que a televisão mostra uma imagem disreal do real e a poesia terá que mostrar o real do disreal”. A poesia como guerrilha, como inovação e diversidade, como aceitação de diferenças e aprendendo técnicas e instrumentos alternativos, para entender e mostrar a realidade, como forma de alterar os mapas do senso comum, esperando que esse texto poético seja reflexo de uma relação intrínseca da poesia com a comunidade e proceda de forma a que as transformações se materializem corpus alternativo, um corpus metamorfoseador, um corpus outro. É nesta dialéctica e/ou confronto da poesia e de ideologia, que é preciso agir, sem retrocessos ou temores, mesmo que o mundo e a poesia, seja um permanente jogo de estratégias, uma vez que não existem padrões comuns e tudo depende do contexto. A poeta canadiana, Nicole Brossard (4) afirma:<br /><br />de manhã devemos transcrever </div><div align="justify">no computador ser comportada </div><div align="justify">o mundo mudou </div><div align="justify">cada um agarra a sua faca </div><div align="justify">à altura dos olhos </div><div align="justify">comendo frutos </div><div align="justify">em frente ao ecrã </div><div align="justify"> </div><div align="justify">é inútil gritar </div><div align="justify">o sinal repete-se </div><div align="justify">a paisagem muda </div><div align="justify">outras metáforas </div><div align="justify">a guerra branqueia os ossos </div><div align="justify"> </div><div align="justify">é claro que existe o sujeito </div><div align="justify">a intrigante sensação de viver </div><div align="justify">no meio de uma multidão de palavras </div><div align="justify">densidade muito urbana </div><div align="justify">de histórias e secreções </div><div align="justify"><br />É de realçar, um factor importantíssimo, e que é o facto de o poeta, independentemente do "autor", também ser um ser humano, logo, ter o direito, ou diria até, o dever, de exprimir os seus amores, ódios, simpatias, antipatias, crenças, sonhos, imaginação, intuição e inclusive a sua razão mais íntima. Na actualidade, há uma gustação negativa, um certo desprestigio pela poesia, dita "politica" ou social, mas, o que está em causa é a capacidade de tratar determinado tema, pois pode-se fazer boa poesia com temas políticos e/ou sociais e má poesia com temas considerados "poéticos" ou "líricos". A poesia deverá ter ideologia, o que não pressupõe necessariamente ser ideológica.<br />Hoje em dia, ela não se pode demarcar mais da realidade, terá que ser uma "voz pública" ainda que em processo de "ventrícolismo", de forma que a poesia terá que entrar "como interacção, conversação e provocação” (mas, desejando a reciprocidade).<br />Como expõe Flo Amber (5), "se um cisne cantasse, não saberíamos da insistência com que diria". Mas nós não somos cisnes, pelo menos a maioria de nós não é – e não temos por isso qualquer desculpa.<br />O poeta Herberto Helder assevera (6):<br />Um poema cresce inseguramente </div><div align="justify">na confusão da carne, </div><div align="justify">sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto, </div><div align="justify">talvez como sangue</div><div align="justify">ou sombra de sangue pelos canais do ser.</div><div align="justify"> </div><div align="justify">Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência </div><div align="justify">ou os bagos de uva de onde nascem </div><div align="justify">as raízes minúsculas do sol.<br />(…)<br />— E o poema faz-se contra o tempo e a carne.<br /><br /><br />Estamos de acordo, que não existem padrões de estética e cultura universal, daí, ser essencial que todos nós consigamos ultrapassar a ideia de que podemos todos falar uns com os outros, a ideia de que "todos nós podemos falar uns com os outros com a voz universal da poesia". Tal, é uma utopia, uma vez que, só será possível ouvirmo-nos uns aos outros, quando todos aceitar-mos, este indesmentível facto. Para isso é necessário trabalhar numa pequena escala, mas actuando em vez de representar, numa procura de inovações formais que desafiem os padrões dominantes, por vezes suportadas em pequenos detalhes que fazem a diferença, uma vez que o importante é, sem dúvida, agir e trabalhar o que se diz, numa permanente ruptura e não em meras substituições, incessantemente, através de um modelo agonista de linguagem.<br />É preciso sentirmo-nos estrangeiros e não donos da nossa própria linguagem, a poesia terá que estilhaçar as formas de representação da sociedade, colocando-se para além da própria marginalização, num processo permanente de ruptura com as ideologias, inclusivamente, ao nível das ideologias poéticas e literárias.<br />Como afirma também <strong><em>Bernstein</em></strong> (7), "as convenções, ao serem provisórias em vez de eternas, foram feitas para serem quebradas", e a poesia deverá começar pela ruptura das próprias convenções da escrita, de forma a penetrar, sobretudo, a invadir a política da linguagem. Refere ainda <strong><em>Bernstein</em></strong>, que é necessário fugir a todas as formas reconhecíveis de linguagem, principalmente em termos de sintaxe, daí ironizar muitas vezes com a própria forma ensaística.<br />Alega o poeta norte-americano Michael Palmer (8):<br /><br />reflectir, claro, sua mão sobre o papel </div><div align="justify"> </div><div align="justify">é o exercício mais baixo </div><div align="justify">que permite seguir </div><div align="justify">uma redução geográfica </div><div align="justify"> </div><div align="justify">eles esperavam ser percebidos<br /><br /><br />O processo de ruptura criado pela rejeição dos valores instituídos, contribuirá forçosamente, para uma necessária mudança de atitudes e do cânone instituído, daí a própria inovação poder ser pensada, em termos sociais, e não apenas ao nível estrutural, ou seja, como defende <strong><em>Bernstein</em></strong> (9), – "a ruptura do discurso patriarcal, pode ler-se tanto em termos de política, racial e sexual, como em termos de inovação estrutural no abstracto". A poesia terá cada vez mais de ser uma "voz" em ebulição, que actue fortemente como se fosse sempre uma oportunidade única.<br />O poeta norte-americano Robert Duncan (10), no poema "Raízes e Ramos" afirma:<br /><br />Só existe o tempo único. </div><div align="justify">Só existe o Deus único. </div><div align="justify">Só existe a promessa única, </div><div align="justify">e da sua chama </div><div align="justify">e das margens da página todos se incendeiam. </div><div align="justify">Só existe a página única,</div><div align="justify"> </div><div align="justify">o resto fica, </div><div align="justify">em cinzas. Só existem </div><div align="justify">o continente único, o mar único –</div><div align="justify"> </div><div align="justify">entrando pelas fendas, batendo, rebentando </div><div align="justify">correndo de lado a lado.<br /><br />Mas se na "Poética" de Aristóteles, se defende um saber feito de fazer, baseado na revalorização do concreto, procurando imitar através do real o que ainda não se viu, em contínua procura da uma reedificação do corpo poético, na <span style="font-size:130%;">A-Poética</span>, <strong><em>Bernstein</em></strong> (11), sabendo que as formas convencionais de representação, condicionam a própria representação de utopia, ou seja, não é possível pensar o mundo fora da sociedade e as suas formas de representação. Pois só através do objectivo patético e cómico, tal poderá ser possível (valorizando o absurdo como ruptura). Assim, num feroz método de tudo amalgamar, visando, por vezes de forma obsessiva, o objectivo de destruir a centralidade da narrativa, da nossa própria narrativa dominante, num processo de "estar entre", entre todos os vectores (do qual todos somos parte integrante), determinará então, sempre, um processo de ruptura e não transformando apenas, através da produção da imitação, como preconiza de forma substantiva, a "Poética" de Aristóteles. Veja-se o poema do poeta Brasileiro Wilmar Silva, do livro “anu” (12):<br /><br />riomarnoiteinteriordasgraiz<br />euanuavesoubichonasenda<br />(…)<br />ninchodgravetofelndiaviés<br />véundavausíndigodobrasil<br />triçaentrioandorinhasanu<br /><br />Mas, este processo terá que ser permanente (o mito sobre o mito), o novo mito será convenção, para poder ser também estilhaçada por outro mito que será convenção, que será convenção e estilhaçada, num ciclo infinito. Afirma <strong><em>Bernstein</em></strong> (13), que "a desfiguração é um pré-requisito necessário à reconfiguração, à regeneração da capacidade de figurar – de calcular – de pensar figurativamente, tropicalmente", reforça ele. E se de alguma forma, tudo é relativo, é no entanto necessário "tomar uma posição em função de", porque não é relativo, como sinónimo de tanto faz, daí o interesse pela poética e pela forma poética, como "forma" fundamental de fazer político e transformação do mundo. A “transformação eminente”, como refere Herberto Helder, pois a escrita da metamorfose é a caligrafia em que a acto do poeta, transforma o próprio acto de transformar.<br /><strong><em>Charles Bernstein</em></strong>, no seu livro “Histórias de Guerra” (14), afirma:<br /><br />a política num poema tem a ver<br />com o como ele penetra o mundo<br />(…)<br />a guerra é um poema que está aflito com sua sombra<br />e furioso em seu curso.<br /><br />Em sua “Geopoesis das Margens”, a poesia buscando “os sentidos outros” em ininterrupta e apocalíptica guerrilha, contra a “conspiração do silêncio”, como refere Graça Capinha, procurando o desequilíbrio nas múltiplas vozes que explodem na sua desmesurada e profunda diversidade. A poesia como um maravilhoso oceano agonista.<br />São urgentes soluções, e neste percurso é crucial activar o potencial poético para toda a gente, não interessando a quantidade ou mesmo serem lidos, como afirma Bernstein, a árvore não necessita obrigatoriamente de ter alguém debaixo dos ramos à sombra, mas se precisarem, a sombra está lá. Sem hesitação, <strong><em>Bernstein</em></strong> (15), deseja que "o barulho social seja um som que a poesia pode não só fazer, como também ecoar e ressoar" de forma avassaladora e perturbadora. A poesia, como dialéctica multi-direcionada e multi-vectorial, até porque o essencial é "agarrar" os sons que nós próprios ouvimos. Até porque como refere, “é sempre a margem que define o centro”.<br />Citando o poeta Mário Cesariny de Vasconcelos (16):<br /><br />Entre nós e as palavras há metal fundente </div><div align="justify">entre nós e as palavras há hélices que andam </div><div align="justify">e podem dar-nos a morte violar-nos tirar </div><div align="justify">do mais fundo de nós o mais útil segredo </div><div align="justify">entre nós e as palavras há perfis ardentes<br />espaços cheios de gente de costas </div><div align="justify">altas flores venenosas portas por abrir </div><div align="justify">e escadas e ponteiros e crianças sentadas </div><div align="justify">à espera do seu tempo e do seu precipício </div><div align="justify">(...)<br />Entre nós e as palavras, os emparedados </div><div align="justify">e entre nós e as palavras, o nosso dever falar.<br /><br /><span style="color:#ff6600;">Notas: </span></div><div align="justify"><span style="color:#ff6600;"><br /></span>(1) (3) (4) (7) (9) (11) (13) (15): Revista Crítica de Ciências Sociais nº47, "Os poetas e o social", 1997,Coimbra·<br />(2): Poesia do Mundo 2; Org. Maria Irene Ramalho, Poesia Afrontamento, 1998,<br />Stª Maria da Feira.<br />(5): Rosa do Mundo, 2001 Poemas para o Futuro; 2º Ed., 2001, Assírio & Alvim, Lisboa<br /><br /> (6): Helder, Herberto; "Poesia Toda", Assírio & Alvim, Lisboa, 1981.(8): Bonvicino, Régis;Palmer,Michael;"Cadenciando-um-Ning,Um Samba Para o Outro",1ºEd.,2001,Ateliê Editorial, S.Paulo-Brasil (10): Helder, Herberto;"Poesia Toda", 1ºEd.,Assírio & Alvim, Lisboa, 1996.<br /><br />(12): Silva, Wilmar; “anu”, Confraria do Vento, Brasil, 2008<br /><br />(14) <strong><em>Bernstein, Charles</em></strong>; Histórias de Guerra, Martins Fontes, Brasil, 2008.(16): Vasconcelos, Mário Cesariny de; "Pena Capital”, 3º Edição, Assírio&Alvim,<br />Lisboa, 2001<br /> <br /> <span style="font-size:180%;color:#cc33cc;"><em>João Rasteiro</em></span></div>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-17503035977431804722010-05-02T09:57:00.001-07:002010-05-02T10:11:28.023-07:00O tempo da Poesia<div align="justify"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgzA5r1QZEYhggJQ37JdA2NSbC1gVaRKLKxPj_7QVorEdP11tS1zWRyDHvqsdITlRMwcq8PSUQZ4yRuaLygz1jzXA-z2j77Gypn5ljBBsEK42aYggomHQplh3txr8UpXHsgepw9XsdN78c/s1600/O+tempo+no+tempo+do+poema.(doc.1)"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5466718695204212962" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 350px; CURSOR: hand; HEIGHT: 297px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgzA5r1QZEYhggJQ37JdA2NSbC1gVaRKLKxPj_7QVorEdP11tS1zWRyDHvqsdITlRMwcq8PSUQZ4yRuaLygz1jzXA-z2j77Gypn5ljBBsEK42aYggomHQplh3txr8UpXHsgepw9XsdN78c/s320/O+tempo+no+tempo+do+poema.(doc.1)" border="0" /></a><span style="font-size:180%;"> <strong><span style="color:#cc0000;">O tempo no tempo do poema</span></strong></span></div><div align="justify">(Base da intervenção de João Rasteiro na <span style="color:#ffcc00;"><span style="color:#3366ff;">IV Bienal de Poesia de Sil</span></span><span style="color:#3366ff;">ves</span>)</div><div align="justify"><br /><em>“ (…) Correr a mão / pelo corpo que tens em temposquedos, / deixá-la ir pelos agostos fartos / pelas horas deceifas e de verão. / Deixar que a tua pele me guie os dedos /para chegar aos olhos e fechar-tos”</em></div><div align="justify"><strong><span style="color:#33cc00;">Pedro Tamen</span></strong></div><strong><em><span style="color:#33cc00;"><div align="justify"><br /></span></em></strong>Se de alguma forma podemos afirmar ser “função” da poesia, se é que deverá ter alguma função, entre outras coisas, a produção do real ou quotidiano, a configuração da instigação ou persuasão e encantamento, a ininterrupta adequação entre meios e fins, um projecto cultural ou estético e ético, etc. (embora todos estes parâmetros se possam valorizar mais ou menos em função do contexto) e, ainda que seja recorrente a afirmação bastante conhecida de Shelley na sua “Defesa da Poesia” (1821): Os poetas são os legisladores não reconhecidos do mundo, hoje, a criação poética cada vez mais se vê (ou deveria ver) reduzida àquilo que Hugo Friedrich chama "dissonâncias", "anormalidades" e "categorias negativas".</div><div align="justify"></div><div align="justify">O poeta norte-americano Robert Creeley tem um poema que coopera na configuração do papel da poesia hoje: Penso que cultivo tensões / como flores / num bosque onde / ninguém vai...". Aí, está o lugar da poesia e do poeta: bosque / mundo "onde ninguém vai”. Pressões e tensões em ebulição. Portanto, há dois movimentos distintos e complementares que levam a poesia para uma situação extrema: o movimento do mundo real, que a expulsa de seu círculo, e o movimento de cada poeta — que, ao "cultivar" tensões, distancia a poesia do espaço comum das realidades deste mundo.</div><div align="justify"></div><div align="justify">Pedro Tamen assevera: Suspendo a mão entre o A e o B, / entre a minha vida e a vida que andará / dentro da minha vida.</div><div align="justify"></div><div align="justify">A vida dentro da vida, o tempo dentro do poema, o tempo que revela quase sempre a visão particular do mundo, ou dos mundos do poeta e a sua atitude perante a problemática que envolve o ser humano. O tempo no tempo do poema é espaço aberto, no qual o poeta concretiza a sua visão da vida e a imagem do espaço que o alimenta e destrói, o tempo onde se reassume a função originária de baptizar os signos do mundo. Como afirmou Roman Ingarden, em A obra de arte literária, esta, não constitui um feixe de elementos justapostos, mas uma construção orgânica, cuja uniformidade se baseia exactamente na peculiaridade dos estratos singulares. Os estratos são heterogéneos, combinam-se entre si, têm características particulares, garantindo a unidade do todo. E é no tempo do poema, que o poeta enraizado em seus peculiares e singulares tentáculos, intenta e arrisca fazer uma fusão entre o plano da vida coabitada e o plano da vida criada, num tempo outro, num sonho outro. A caverna, onde a poesia e a sílaba acesa se direccionam para o sentido profético do “verbo-milagre”, que tem o poder de acarretar à vida, ao explosivo campo da linguagem, qualidades metafísicas da morte e, ao mesmo tempo, revelá-las em seu esplendor de vida. Um tempo sem alicerces e sem inquietude quanto à falta de alicerces, pois talvez isto seja o que a poesia era antes de a começarmos a metamorfosear. O poeta Herberto Helder profere apocalipticamente: Um poema cresce inseguramente / na confusão da carne, / (…) E o poema cresce tomando tudo em seu regaço. / E já nenhum poder destrói o poema. / (…) — Em baixo o instrumento perplexo ignora / a espinha do mistério. / — E o poema faz-se contra o tempo e a carne.</div><div align="justify"></div><div align="justify">O poema e a poesia deverão imperiosamente criar o seu próprio tempo, pois se não o fizerem, não estaremos perante poesia, mas perante uma outra qualquer forma ou estrutura de linguagem. O poema e a poesia fugindo do tempo linear em que assenta a força motriz do mundo, ou dos “mundos” (que aparentemente representam o real, mesmo se estivermos ante a denominada “poesia do quotidiano”) impondo de forma absoluta o seu próprio mágico e doloroso labirinto.</div><div align="justify"></div><div align="justify">Profere T. S. Elliot, nesse fabuloso livro que se chama “Quatro Quartetos”: Ou seja, que o fim precede o princípio / E que o fim e o princípio sempre estiveram lá / Antes do princípio e depois do fim.“</div><div align="justify"></div><div align="justify">Ou seja”, não deverão poesia e poema, abertos e subtis em seu permanente jogo de contrários, nessa imprevisível dialéctica entre espaço e tempo (o tempo fora do tempo e dos tempos) possibilitar as cúpulas para uma leitura outra (porque um tempo outro) do “mundo” ou dos “mundos”, em que quase sempre julgamos ilusoriamente ser deuses capazes do inefável, capazes de navegar o tempo inexplicável da intemporalidade?</div><div align="justify"></div><div align="justify">O tempo da poesia, o tempo do poema, o tempo funcionando sempre, em cada momento único, como o descentramento da fortuita realidade em seu e nosso infinito labirinto.</div><div align="justify"></div><div align="justify">Na eterna errância do poeta em direcção à morte, o que mais importará será a viagem, o trajecto, o longo trilho da memória sob o orvalho, o tempo dentro do tempo – o verbo corpo de linguagem. Infinita. Sempre aberta à imaginação, à sagrada ilusão da sílaba, o caminho outro, a consciência de uma particular visão do mundo derivado de um tempo próprio e único, como se a criação poética pudesse ser a brutal fonte da lucidez que brota da ilusão justificada – a verdade, essa ficará para os deuses.</div><div align="justify"></div><div align="justify">Pois mesmo em poetas como, Homero, Dante, Shakespeare, Camões, Rimbaud, Withman, Baudelaire, F. Pessoa, Elliot, Pound, Yeats, Lorca, H. Hélder e outros, o tempo da poesia é apenas a concentração absoluta e pura da vida e da morte em sua trágica e divina ilusão, o carnal corpo da linguagem sempre exposto à ilusão do tempo e à absurda alucinação da metáfora. A peregrinação. A viagem com fim marcado.</div><div align="justify"></div><div align="justify">Samuel Beckett não tem dúvidas quando pronuncia: Que faria eu sem este mundo sem rosto sem questões / Quando o ser só dura um instante onde cada instante / Se deita sobre o vazio dentro do esquecimento de ter sido.</div><div align="justify"></div><div align="justify">O sentido e a rota inexorável do futuro estará sempre inscrita no que fazemos no presente. E é por isso, que é essencial fabricar-se uma perspectiva em que o tempo do poema terá que ser o centro em que se gerará a ideia de um tempo outro. Um tempo em que não exista tempo fora dos desejos dos sonhos e da memória. Onde talvez não exista sequer tempo fora dos signos que se sobrepõem aos sonhos e utopia que os invocam. Mas terá que ser forçosamente o tempo do poema, da poesia, a contradizer em seu habitat, em seu sopro de tempo, tal condição. É esse tempo que se apelidará de “tempo da poesia”. O tempo em que como diz Fernando Pessoa: Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas… / Que já têm a forma do nosso corpo…/ E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre / aos mesmos lugares.</div><div align="justify"></div><div align="justify">O sentimento de um tempo, o tempo do canto feroz, onde a cilada e a cólera, a espera e o desespero, nascem dessa perspectiva de campo de fantasia, do lugar outro – a poesia!</div><div align="justify"></div><div align="justify">Logo, não admira, que essa busca insana de imortalidade, de intemporalidade, nos iluda, mais ou menos consoante a dialéctica entre o espaço e o tempo, dependendo da forma com que neles nos representamos, tendo em conta a percepção da finita existência do verbo e da memória. Apesar da permanente ilusão de permanência no tempo do poema.</div><div align="justify"></div><div align="justify">Pois é lá, na beleza do caos, no tudo que é nada, que a eternidade poderá iludir-se que acontece. Mas na verdade, o tempo do poema terá que continuar a ser o leito sagrado onde o poeta tecerá a urdidura que permitirá sonhar um mundo outro, um lugar outro, fabricando o linho ou a mortalha que concederá o sentimento continuado de ser omnipotente. E será esta urdidura no tempo do poema, que sustentará o leito mortífero do tempo. A poesia em sua harmoniosa e fatídica plenitude. A morte como alimento de vida. A poesia como língua-milagre em seu espaço aberto, capaz de transfigurar e metamorfosear a realidade e veracidade do homem, pois ela, como referiu Octávio Paz, é um “tempo revelado”, ou seja, a “enigmática transparência” do sopro incandescente. Pois, Não será o medo da loucura / que nos forçará a pôr a meia-haste / a bandeira da imaginação – André Breton,”Primeiro Manifesto Surrealista”, uma vez que como canta Pedro Tamen: A minha desforra são palavras / Levanto-me de manhã amarrotado / pelo peso inclemente das mentiras / e vazo no real outro real / das letras que ninguém vislumbrará.</div><div align="justify"></div><strong><em><span style="color:#cc0000;">João Rasteiro</span>, Silves, 25/04/2010<br /></em></strong>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-53724522495713766672009-06-18T04:23:00.000-07:002009-06-18T04:49:51.225-07:00O Amor; carne e desejo: vida!<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhuICjwocRHnJ5rnlAkXwhDHn8gieT5C3ojGrXeIE6Q-yvlUZ5fIjFfEDIvokDXf83F62daSHgQllCvfvCyiSejC_C9c5DQ_tVeRroXWvoU0aJsVLQxWQY1PmjBasOIOqKOTddYOzcQI6E/s1600-h/capa.Pedro+e+In%C3%AAs.(doc.1)"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5348632759953156642" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 200px; CURSOR: hand; HEIGHT: 284px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhuICjwocRHnJ5rnlAkXwhDHn8gieT5C3ojGrXeIE6Q-yvlUZ5fIjFfEDIvokDXf83F62daSHgQllCvfvCyiSejC_C9c5DQ_tVeRroXWvoU0aJsVLQxWQY1PmjBasOIOqKOTddYOzcQI6E/s320/capa.Pedro+e+In%C3%AAs.(doc.1)" border="0" /></a><br /><div><span style="color:#ffff99;">........................</span><strong><span style="font-size:130%;color:#33cc00;">I<br /></span><span style="color:#33ccff;">As madrugadas esculpidas<br /></span></strong><br /><strong><span style="color:#cc0000;">1.</span></strong> </div><div>este era o coração esculpido da chama<br />compartida no lume reaberto da espiral<br />profanada no gesto obsceno da lâmina<br />sobre a linha transparente das águas,<br /><br />no útero da madrugada os espasmos<br />da finitude das veias que não cessam<br />como se de pedra negra o amor inicial.</div><br /><div></div><br /><div><span style="color:#cc0000;"><strong>10.</strong></span></div><div>no esplendor absoluto do silêncio<br />dobrado o lume sobre lágrimas<br />amadurecidas veias sobre o nome<br />Inês que traça o seu próprio curso,<br /><br />eis o crepitar acelerado do assombro<br />fincado ao centro o êmbolo puro<br />que quis decifrar o destino da sílaba.</div><br /><div></div><br /><div><strong><span style="color:#cc0000;">20.</span></strong></div><div>na noite profunda dormem desvelados<br />os corpos uníssonos na unidade mítica<br />coroação descascada em uivos densos<br />atravessados reflexos dos ventos alísios,<br /><br />o corpo sôfrego do amor sobre a terra<br />fechada a paisagem obstinada acocorada<br />na miragem das raízes a boca de Pedro.<br /></div><br /><div><strong><span style="color:#cc0000;">24.</span></strong></div><div>para acender outra vez aqueles olhos<br />de lava as águas fecundas do Mondego<br />sublimam a distância fronteira do golpe<br />cru o espectro entre as paixões da carne,<br /><br />a memória álgida no excesso das artérias<br />filiais as bocas no odre do sangue antigo<br />com uma serpente felina no vigor do aço.<br /><span style="color:#ffcc66;"></span></div><br /><div><span style="color:#ffff99;">........................</span><strong><span style="font-size:130%;color:#33cc00;">II</span></strong></div><br /><div><span style="font-size:130%;color:#33cc00;"><strong><span style="color:#33ccff;"><span style="font-size:85%;color:#ffff99;">...........</span>Pedro e Inês</span><br /><br /></strong><span style="font-size:100%;"><span style="color:#000000;">Na combustão de Inês a cânfora.como se<br />sob a oxidação da luz o cordão umbilical.<br />agora o amor prefigura-nos melhor sobre<br />as águas.as ardósias da fonte continuam<br />desencarnadas nos golfos do crime.elas as<br />águas ainda na exactidão enregelada das<br />lâminas.nos veios cintilantes da nua sílaba<br />o poema.ingreme no equilíbrio do sangue<br />a fulguração do fogo.inteiramente vencido<br />nas mãos do assombro.aí sob os líquidos a<br />clara magnólia inteira.a ferida ainda fresca.<br /></span><br /></span><strong></strong><span style="color:#000000;">In,</span> <em>Pedro e Inês ou As madrugadas esculpidas</em> <span style="color:#ff0000;">-</span> <span style="color:#000000;">2009</span><br /><br /></span></div>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-81605913787948578222009-06-18T04:09:00.000-07:002009-06-18T04:19:27.876-07:00Pedro e Inês ou As madrugadas esculpidas<div align="justify"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgC1jkf-kaT17ayHp20_4qHG2XCqAMbh3sxp1pV1wU2qkHoAESE6OsyUpE9e7M9eUlnhdJhyphenhyphenrqPpI0sfhQ3cVDQafny16OF4SMuIRcfeFyXmC3OgBOSo-UVa7v8L9omfUCZC0iJ18jd0TM/s1600-h/capa.Pedro+e+In%C3%AAs.(doc.1)"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5348624562937915682" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 225px; CURSOR: hand; HEIGHT: 315px; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgC1jkf-kaT17ayHp20_4qHG2XCqAMbh3sxp1pV1wU2qkHoAESE6OsyUpE9e7M9eUlnhdJhyphenhyphenrqPpI0sfhQ3cVDQafny16OF4SMuIRcfeFyXmC3OgBOSo-UVa7v8L9omfUCZC0iJ18jd0TM/s320/capa.Pedro+e+In%C3%AAs.(doc.1)" border="0" /></a> <span style="color:#33ffff;"><strong><span style="font-size:130%;color:#cc33cc;">ASSOMBRO LÚCIDO, PALAVRAS INDEFESAS</span></strong><br /></span><br /><br /><strong><span style="color:#ff0000;">1.</span></strong> Eis-nos perante nova manifestação da poesia de João Rasteiro, que, num trajecto de maturidade já provada, não se pode configurar nem dar a ler sem alguma convocação palimpséstica dos legados do Modernismo orfaico e do Neo-Modernismo que o refracta na charneira do século XX.<br />Talvez por isso, em incoercível coerência orgânica, os versos deste poema retraem a subjectividade lírica para os domínios brumosos da memória mítica, mas nessa peregrinatio ad loca sancta das narrativas arquetípicas do Amor e do Destino dissentem do ludismo culturalista pós-moderno, ao mesmo tempo que não cedem à vertigem estética da reificação textual.<br />Manda mais a vontade de significação, à contraluz do texto de Gerrit Komrij que o autor escolhera para desassossegante e irónico envoi da colectânea precedente, O Búzio de Istambul. Se aí se afirma que «Um verdadeiro poema não tem significado. / Quanto mais vazio um verso, mais perfeito é. /A poesia é uma fraude sublime, leitor. / Uma burla nobre.», só os últimos versos enunciavam uma característica da poética de João Rasteiro – e esses mesmos o faziam com verdade reversa, velando e valorizando o contrário do que parecem dizer os primeiros versos.<br />Este livro mostra-se enredadamente fiel à vibração lírica e à vontade simbólica que, no dizer autorizado de Maria Leonor Machado de Sousa, prevalecem na literatura inesiana portuguesa e a distinguem de tratamentos alocêntricos dos tópicos da crónica, da lenda e do mito em causa. Todavia, cumpre esse imperativo de tradição num regime literário que acentua a descontinuidade alógica do discurso, a elisão ou anomalia sintáctica, a pregnante impertinência semântica de rasgos imagísticos ou adjectivais, a busca da ênfase à margem da tradicional linguagem superlativa.<br />Em contrapartida, após a diversidade prosódica de O Búzio de Istambul, que se permitia a coabitação do poema em prosa com a versificação e, nesta, a variação de metros e estrofes, o presente poema aposta num liminar efeito conotativo de integração reconfiguradora no contexto vertical constituído pela tradição literária inesiana, ao apresentar-se como mo(vi)mento de reaproximação à ordem formal. De facto, propõe-se-nos como sequência regular de organizações estróficas que, sendo quadra e terceto de versos quase isométricos (adoptando como diapasão a cadência do decassílabo, que ora se retrai um pouco, ora se expande outro tanto), sugerem reexploração das virtudes consagradas de formas poéticas fixas – sobretudo, neste caso, o corpo central de sonetos, sobrevivos no ritual amputante… como Pedro e Inês.<br />Além de induzir na leitura valores de ritualidade hierática, esse apuro técnico-formal não cerceia a indeterminação dos lances imaginíficos e semânticos, antes alarga as hipóteses de leitura, principalmente na atracção pela hipálage e no gesto recorrente de redimensionação do processo poético de transporte, de modo a potenciar nexos bidireccionais de palavras no termo e na abertura dos versos (v.g. «as labaredas puras/madrugadas», «blasfémia vermelha/madrugada», «ouro/prolongado espelho», «das artérias/filiais as bocas», etc.).<br /><br /><strong><span style="color:#ff0000;">2.</span></strong> O título ostentado pelo poema detém, porventura, excessivo papel de catáfora, na medida em que logo nomeia os heróis da evocação poética que surge nesse átrio para se inscrever na cadeia mitográfica. Pode supor-se que, entregues a si mesmas, as madrugadas esculpidas resguardariam melhor a abertura de sentidos no percurso por vir. Mas, afinal, tudo é passível de leitura catalisadora nesse título em que o fulcro da intriga pode mesmo residir na ambivalência da conjunção, isto é, num ou que vincula sob suspeita de disjunção. Não colhe, pois, invocar em vão aquele título para hipotecar as lições do «espaço descoberto» que resulta da «construção» poética.<br />É evidente que o título, tal como se apresenta, chama de imediato ao nosso horizonte de recepção a multissecular e multiforme reconfiguração do grande desvairo petrino e do mito inesiano. Logo, porém, dá lugar a uma ardilosa digressão lírica, onde se indefinem as valências periódicas de encenação dramática do reenvio para uma narrativa subliminar; e, chamando a si o título As madrugadas esculpido, essa digressão lírica quase se faz coincidir com a delimitação textual do livro.<br />Por contraste, o título Pedro e Inês ausenta-se formalmente e as próprias figuras dos grandes amorosos, embora permaneçam presumíveis referentes do discurso alusivo de vários textos, só são assim nomeadas uma só vez – até à restituição de primazia ao alto de uma parte II constituída por uma só estância e nesta concentrando a recolecção elíptica dos motivos, dos mitemas e da sua textualização pregressa.<br />Ambos associáveis a elementos matriciais dos relatos historiográficos, da disseminação lendária e da sua recriação artística em mito – albas de enamoramento, de desejo e comunhão, aurora ominosa e pregnante (de morte como «imensa madrugada na lava do golpe»), transposição em escultura dos túmulos alcobacenses (onde «na noite profunda dormem fundidos/ corpos uníssonos na unidade mítica») … –, os nomes madrugadas e esculpidas actuam como lançamento de duas isotopias fundamentais da subsequente digressão lírica: a isotopia futurante da fecundidade (pelo amor e pela beleza) e a isotopia da consagração memorial (pela arte).<br />Na «construção» do poema que corresponde à «construção» mitográfica pelo «movimento lapidado das formas», os redundantes valores sémicos de fecundação – «o arco fecundo da morte imutável» – surgem, desde a composição inaugural do poema, aureolados por um postulado de legitimação eufórica (de «amor inicial») e conotados por sugestões de erotização («no útero da madrugada os espasmos»), mas também de sacralização desrespeitada – e, por consequência, de violentação da ordem amorosa do mundo, sobre a qual, numa correcção da factualidade histórica pela tanatografia mítica, impenderá o castigo.<br />Pari passu pairam as signos exiciais – «os espaços negros da blasfémia vermelha», «da espiral / profanada no gesto obsceno da lâmina». Habilmente, essa isotopia ominosa cruza-se, logo de começo, com a do esculpir para memória: «como se de pedra negra o amor inicial»; e, ao mesmo tempo, este veio pressago, dialecticamente constituído por «a dor feérica das pedras / negras as rosas da madrugada», vê-se cruzado com a metaforização da chama dupla do amor – como diria Octavio Paz deste amor camonianamente “misto”, carnal mas unitivo e ascensional.<br />De facto, «este era o coração esculpido da chama / compartida no lume reaberto da espiral, «a queimadura esculpida na carne / nua», «fêmea moldada no fogo / escondido». Por isso ele é depois refigurado como «gusa» ou «hulha viva» da consumação dos sentidos na vida e morte «cozida no cio ancestral dos corpos», «combustão brutal / dos corpos no seu movimento inaugural».<br />Sem retorno neo-romântico ao quadro idílico, mas indiciando também resistência à paisagem modernista da desolação, é para a cena da paixão que remete o poema de João Rasteiro. Paixão como vertigem pulsional do enamoramento e do desejo, paixão como atracção inelutável dos «cativados corpos» (isto é, de corpos seduzidos e sentenciados) aos passos rituais em que se coligam violência e sagrado. Plurívocas se revelam então cromatossemias e imagens como as de «roxa a boca», tão eroticamente propiciatórias quanto associáveis à sorte cruenta do «sangue do pecado / que desafia a luz e o golpe límpido» num dramatismo de amori et dolori sacrum (para recorrermos a esquecido mas marcante título décadent do jovem Barrès), reassumido sob o imperativo moderno do «dom de encolher as lágrimas», ao menos enquanto vigilância e contenção do derrame emotivo e verbal.<br /><br /><strong><span style="color:#ff0000;">3.</span></strong> É filtrada por toda essa teia de alusões e sugestões que, tal como «as águas do Mondego declinam as vozes / ancestrais», nos vai interpelando a declinação aédica do mythos. Alguns versos soberanos hão-de sintetizar em ironia lapidar esse «ciclo temível na floração do destino» impondo-se «sob o assombro lúcido de sentidos ébrios», em congruência com outra isotopia – a da fatalidade, «um espinho cego aberto para sempre», «tenebrosa viagem» que se abate e perdura sobre a paradoxalidade insustível da história ida e da narrativa vinda, «rota do voo /que reúne em si o vazio e a plenitude».<br />O espaço torna-se lugar de rito e o tempo volve-se ritmo insuspenso, porque ambos se projectam para o domínio arquetípico da construção do sentido pela imaginação simbólica – e «assim se constrói o amanhã da eternidade». Para sempre é «nas fontes da madrugada / intemporal» que sangra e reina e cria «a carência sísmica do desejo / atravessado como se florisse na lâmina».<br />Mas o seu devir é o rito de segredo e risco, de vislumbre e pávido assombro, próprio da «tragédia» mítica: «o amor emerge de obscuros labirintos», as bárdicas águas do Mondego exercem-se «como cometas fulminantes».<br /><br /><strong><span style="color:#ff0000;">4.</span></strong> Sob a exigência auto-reflexiva e metaliterária da modernidade estética, novo efeito de mise en abyme emerge e atravessa todo o poema, na medida em que «o crepitar acelerado do assombro», que nos espera no coração do amori et dolori sacrum, está indiscernivelmente fincado no «êmbolo puro / que quis decifrar o destino da sílaba».<br />Eis-nos perante um vínculo placentário muito adequado, aliás, à endógena potência discursiva do mythos – «no esplendor absoluto do silêncio /(…) o nome / Inês que traça o seu próprio curso». Este é horizonte de referência e linha de fuga do poema, enquanto desejo mimético de «inocência que se escreve nos abismos» e de «harmonia na fímbria sedenta dos corpos».<br />Encanto de «palavras indefesas», de outro modo votado ao malogro, quando «o poema implode (…)/ sob o assombro lúcido de sentidos ébrios», tal como aliás o amor «sob um céu proibido» e a plenitude tão armadilhada como a finitude feliz de Adão e Eva num poema de António Osório que o verso de João Rasteiro faz lembrar ao dizer «o amor profundo imóvel tempo de tudo».<br />O tom evocativo que ganha a expectação de uma «utopia que acorde as águas do Mondego» corresponde ao ânimo melancólico do canto que se sabe prometido, após Ruy Belo e Eugénio de Andrade, às margens da memória de alegria.<br /><br /><strong><em><span style="color:#3366ff;">José Carlos Seabra Pereira</span></em></strong> <span style="color:#ff0000;">(*)</span><br /><p align="justify"><span style="color:#ff0000;"><br /></span><span style="color:#ff0000;">(*)</span> <span style="font-size:85%;"><em>Professor Associado da F.L.U.C. - Universidade de Coimbra, desempenhou os cargos de Presidente da Comissão Científica do Grupo de Estudos Românicos, Director do Instituto de Língua e Literatura Portuguesas e Membro da Comissão Coordenadora do Conselho Científico da FLUC. Entre as suas publicações destacam-se: "L’action littéraire et l’œuvre poétique de Joao de Barros", Poitiers, 1984, 794 pp.; "O Essencial sobre António Nobre", Lisboa, INCM, 2001; "António Nobre - Projecto e Destino", Porto, Ed. Caixotim, 2000; "Do Fim-de-século ao Modernismo" (vol. VI de História da Literatura Portuguesa), Lisboa, Publ. Alfa, 2002. Integrou vários júris de prémios literários, nomeadamente o Grande Prémio da Poesia, Grande Prémio do Romance e da Novela e do Conto da Associação Portuguesa de Escritores e Prémio Camões 2009.</em></span></p></div>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-88115752241330934632008-10-01T14:44:00.000-07:002008-10-01T15:31:57.385-07:00O BÚZIO de ISTAMBUL<div align="justify"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjIsL0pbOXiF4UsA6fjihF9R3uDiGl3SbV5eWH_czwUkSUdXClXmStuelqvSN4tcBm5JH_xucYlX3NSOburHBnb8f4UMgcdaelmlsFG6rxf3NKiql_JMYd2QtVr4p5y4bJ34oHtZbLGOKE/s1600-h/O+B%C3%BAzio+de+IstambulIstambul.(doc.1)%5B7%5D.jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5252308739493107058" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; CURSOR: hand" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjIsL0pbOXiF4UsA6fjihF9R3uDiGl3SbV5eWH_czwUkSUdXClXmStuelqvSN4tcBm5JH_xucYlX3NSOburHBnb8f4UMgcdaelmlsFG6rxf3NKiql_JMYd2QtVr4p5y4bJ34oHtZbLGOKE/s320/O+B%C3%BAzio+de+IstambulIstambul.(doc.1)%5B7%5D.jpg" border="0" /></a><strong><span style="font-size:130%;color:#cc0000;"><em>O BÚZIO de ISTAMBUL</em></span></strong>, de <em><span style="color:#ff9900;">João Rasteiro</span></em> – C<strong>rítica de Luís Serrano</strong> <strong><span style="font-size:130%;"><span style="color:#990000;">(</span><span style="color:#ff0000;">*</span><span style="color:#990000;">)<br /></span></span></strong><br />A última obra de João Rasteiro aparece-nos sob o signo do Oriente através da cidade de Istambul (ver título) que salta de um verso de José Tolentino de Mendonça (<em><span style="color:#993300;">ouvi a estranhos no Bazar de Istambul</span></em>) e de um outro de Hart Crane (<em><span style="color:#993300;">Ó rosa de Istambul – os sonhos tecem a rosa!</span></em>).<br />Há ao longo do livro referências bíblicas, mais explícitas ou menos explícitas (Bagdad, Nazaré, Babilónia, torre de Babel, Istambul, mirra, incenso) e também referências a Herberto Helder, ele próprio um poeta marcado pela leitura da Bíblia. É óbvio que a linguagem barroca de João Rasteiro tem a ver com muitas leituras feitas, mas eu destacaria a de Herberto Hélder, cultivando o verso longo e os vocábulos pouco comuns (rares mots) que os simbolistas viriam a cultivarem.<br />A obra está dividida em três partes: <em><span style="color:#993300;">O anjo abstracto, Amieiros que sangram e Tríptico da criação.<br /></span></em>Falar da aldeia do Ameal onde nasceu é, para Rasteiro, falar do nascimento e da morte que são, naturalmente, os dois marcos que balizam a vida de qualquer homem.<br />O Ameal está presente em toda a obra, quer explicitamente, quer através dos microcosmos Sardoal e Rigueira, eles próprios referências topográficas integradas no Ameal.<br />Diria que é a segunda parte a mais importante, quer ao nível da mensagem que se pretende transmitir (os poetas pretendem sempre transmitir uma mensagem porque querem ser lidos, mesmo quando dizem o contrário), quer a nível dos processos utilizados. São praticamente todos ou quase todos “poemas em prosa”.<br />É uma extensa reflexão sobre a morte (e sobre a morte do pai, em particular, facto ocorrido quando o autor tinha apenas 31 anos de idade) e sobre o lugar que o viu nascer e onde a infância deixou marcas fundas na memória.<br />Logo nesta parte (<em><span style="color:#993300;">Os amieiros que sangram</span></em>) o poema da p. 47 inicia-se por um regresso à infância: Aprendi a regressar e todo o poema é escrito no presente do indicativo para nas últimas 3 linhas passar a pretérito imperfeito. São 3 linhas de grande significado: <em><span style="color:#993300;">E a terra era viva, translúcida, e tinha um cheiro morno que entontecia. Porque era nela que eu frutificava, pungente.<br /></span></em>As referências à morte do pai são comoventes mas sóbrias. Na p. 48 pode ler-se: <em><span style="color:#993300;">Estamos em 1996, é Outubro, […] e eu à procura de meu pai […] </span></em>e na p. 49 é ainda um poema sobre o pai, agora feito memória: <span style="color:#993300;"><em>O Inverno adquirira um rosto. O dele (do pai): E também ele encontrara um rosto. O seu próprio.<br /></em></span>A obsessão da morte encontra-se em muitos poemas. Leia-se na p. 51: <em><span style="color:#993300;">Um dia, também eu encontrarei a morte no meio dos amieiros</span></em>. É curioso verificar que sempre a morte está ligada a um topos que neste caso é a povoação de nome Ameal (Amial com i como se escrevia ao tempo da infância do autor) nas proximidades de Coimbra. Uma síntese destas ligações é bem visível no poema da p. 52: <em><span style="color:#993300;">Olho em volta: eu e o meu pai e com todas as memórias que se somam ao meu corpo, e que tu, e contigo todas as memórias, tu aldeia, em que descobri a forma dos fetos, o êxtase do tempo, até conseguir fazer soltar a primeira respiração, a respiração do lugar inicial, a respiração purificada dos animais sob os amieiros.</span></em></div><div align="justify"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiHvnWx8os_XNj9r162tnoDdwkn9NgvXQ_mg804ySAGeYUfJnTTB4VnMY4870Y3-qSy5pfDmhWvHhnaSb-8p6icxUc8Fy4k7UsrwLzp5pbI3x14-pBH7TQZyVVHFYlA7SwTcF2ysEvIYiA/s1600-h/istambul.(doc.1).jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5252305981927435218" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 331px; CURSOR: hand; HEIGHT: 261px; TEXT-ALIGN: center" height="200" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiHvnWx8os_XNj9r162tnoDdwkn9NgvXQ_mg804ySAGeYUfJnTTB4VnMY4870Y3-qSy5pfDmhWvHhnaSb-8p6icxUc8Fy4k7UsrwLzp5pbI3x14-pBH7TQZyVVHFYlA7SwTcF2ysEvIYiA/s320/istambul.(doc.1).jpg" width="276" border="0" /></a>No poema da p. 53, o autor volta ao tema: […] <em><span style="color:#993300;">quando em 1996, sob o vento de Outubro, antes que a noite se aproximasse, te procurava por entre os odores dos amieiros, […] E nem sequer me despedi, pai.<br /></span></em>E é entre a morte e os amieiros, símbolo de uma ligação à terra, que a obra se vai construindo; nela não cabe apenas a razão mas também a emoção, a lágrima discreta que o tempo ainda não apagou. Diz o poeta na p. 55: <em><span style="color:#993300;">Os amieiros chegam como um nome mágico à boca do rio, sempre um jardim de amieiros contra a paixão da água.<br /></span></em>Há, ao longo do livro, imagens muito belas que mostram o bom gosto do poeta, "a qualidade da fábrica". Por exemplo, da p. 57 retiro as últimas 5 linhas: <em><span style="color:#993300;">O céu é um pássaro descomunal envolto em chamas sobre as vozes dos mortos, sobre os livros onde se aprisiona a formosura das palavras, como se fosse possível guardar a transparência do júbilo.<br /></span></em>E a morte é assim, na visão do poeta, não desactivada mas, de algum modo, contrariada ou superada pela força das palavras. Eis aqui uma razão muito forte para que João Rasteiro continue a escrever os seus poemas que passam a ser nossos também.<br />A morte circula por aqui, como reiteradamente se disse, entre um <em><span style="color:#993300;">Anjo abstracto</span></em> e um <em><span style="color:#993300;">Tríptico da criação</span></em> onde se integra o poema <em><span style="color:#993300;">O território dos anjos</span></em>. Os anjos são agora de carne e osso e estão contaminados por tudo aquilo que transforma os homens: o amor, o ódio, o crime.<br />Deixa-se aqui apenas uma sugestão para futura obra: uma redução drástica na frequência de comparações explícitas e de possessivos. Uma obra com a qualidade desta merece uma atenção mais detalhada quanto ao emprego destas bengalas.<br />A obra vem prefaciada (?) por um poema de <strong>Casimiro de Brito</strong> intitulado: <em><span style="color:#33ccff;">Quem amou ainda ama.<br /></span></em>É uma edição de Palimage, 2008, ostentando a capa uma imagem de Rogério Oliveira.<br />Aos que se interessam pelo conhecimento dos novos caminhos da poesia portuguesa, recomenda-se a sua leitura.</div><div align="justify"><span style="color:#ffcc66;">.<br /></span><strong><span style="color:#33ccff;"><span style="color:#990000;">(</span><span style="font-size:130%;color:#ff0000;">*</span></span><span style="color:#990000;">)</span></strong> <strong><span style="font-size:130%;">Poeta e ensaísta.</span></strong></div><div align="justify"></div>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-39122834089472265982008-06-15T11:29:00.000-07:002008-12-11T17:01:18.302-08:00Cântico das PragasParaíso e Inferno - H. Bosch<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwl3f_7ZR-y-kjdkjL2IoYod4n0L3aXQhbFNVFTjojPTv_D5_BjCPvwUOBwKMvLRXx9sqXTrOO3Ctms5W_M8ZkRY0reVijHnOa5wcIEBTaxti9smA7OOQxecs93r2z4QnULzJic_ZpT3M/s1600-h/Para%C3%ADso+e+Inferno,+de+H.Bosch+(doc.1).jpg"><br /><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5212180385968274386" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" height="336" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwl3f_7ZR-y-kjdkjL2IoYod4n0L3aXQhbFNVFTjojPTv_D5_BjCPvwUOBwKMvLRXx9sqXTrOO3Ctms5W_M8ZkRY0reVijHnOa5wcIEBTaxti9smA7OOQxecs93r2z4QnULzJic_ZpT3M/s320/Para%C3%ADso+e+Inferno,+de+H.Bosch+(doc.1).jpg" width="244" border="0" /></a><span style="color:#cc0000;"><strong>O cântico das pragas</strong></span><br /><span style="font-size:85%;"><em>............À entrada de um túnel está um homem<br />............com uma bandeira. É para a cobra que<br />............acena, respondendo a um sinal.<br />...................</em><span style="color:#993300;">Jaime Rocha</span></span><br /><span style="font-size:85%;color:#ffffcc;">.</span><br />É das palavras<br />que irradia a morte soberana<br />os lugares sitiados, a blasfémia do silêncio.<br />Todos morrem nas palavras disponíveis<br />apenas os corvos tristes<br />a quem soldaram o bico com prata<br />suspendem a morte<br />no branco das túnicas da água visível.<br />É nesse espaço<br />onde antes iam os homens sedentos<br />alimentar a fractura das vísceras<br />comendo de rastos com as cobras<br />que a chuva cai geométrica<br />estilhaçando o alastro das gargantas<br />que guardam as sílabas com aroma de tílias.<br /><span style="color:#ffffcc;">.<br /></span>O homem está morto dentro do poema<br />como a linguagem das antigas escrituras<br />e é o seu corpo que brilha através do branco.<br />As cobras emergem do chão<br />abrigam-se nas túnicas álgidas<br />e aproximam-se do corpo do homem exposto<br />iluminadas em sua própria loucura.<br />Engolem os restos da carne corrompida - mas,<br />inexplicavelmente poupam-lhe os olhos -, depois,<br />saboreiam o que lhes vai consumir<br />para sempre a língua, o coração das entranhas.<br /><span style="color:#ffffcc;">.<br /></span>O segredo absoluto e divino do extermínio do verbo.<br /><strong><em><span style="color:#6633ff;">João Rasteiro</span></em></strong><br /><div><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhT57Z2SShX6gQ5ArX3iAmHDaTBshVBR3cQBCJARX42tdeJLtR0E7DMTyJLc1Ol-xgeEixm2l3XQXMChfd0EOFJkYVoLsIM30ix1WIjYdGeWhXjxvlU6rh9mVsbuV0QhMPOAtXAichQnQI/s1600-h/Paradiso.1.(doc.1).jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5212180214870393586" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" height="290" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhT57Z2SShX6gQ5ArX3iAmHDaTBshVBR3cQBCJARX42tdeJLtR0E7DMTyJLc1Ol-xgeEixm2l3XQXMChfd0EOFJkYVoLsIM30ix1WIjYdGeWhXjxvlU6rh9mVsbuV0QhMPOAtXAichQnQI/s320/Paradiso.1.(doc.1).jpg" width="250" border="0" /></a><span style="color:#cc0000;"> <strong>The chant of plagues</strong><br /></span><span style="font-size:85%;"><em>.............At the mouth of a tunnel is a man<br />.............with a banner. He waves at the snake,<br />.............responding to a sign.<br />...................</em><span style="color:#993300;">Jaime Rocha</span></span></div><div><span style="font-size:85%;color:#ffffcc;">.<br /></span>It is from flamed words<br />that sovereign death irradiates<br />the besieged places blasphemy of silence.<br />All die in the available words<br />only the sad crows<br />whose beak was welded in the silver glit<br />cunningly hold death<br />in the whiteness of visible water tunics.<br />It is in that ancestral space<br />where thirsty men went before<br />to feed the fracture of the guts<br />sipping belly-down with the snakes<br />that rain pours down geometrical<br />splintering the ballast of the throat<br />that keeps syllables with a taste of linden. </div><div><span style="color:#ffffcc;">.<br /></span>The man is dead inside the poem<br />like the language of ancient scriptures<br />and his body is shining through the whiteness.<br />Snakes burst out from the ground<br />meek take sanctuary in the algid tunics<br />come close to the body of the man exposed<br />lit by their own madness.<br />They swallow the remains of the corrupted flesh<br />inexplicably they do spare his eyes - then<br />then they taste that which will consume<br />Their tongues forever, the heart of entrails. </div><div><span style="color:#ffffcc;">.<br /></span>The secret absolute and divine of the extermination of the word.<br /><em><span style="color:#6633ff;">João Rasteiro</span></em><br /></div><div><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQpQgBp7NUdAIL2MJRbkqLlSH1Ku09l7AbzuwgChyphenhyphenPscsPmUCNaX02TzfQihXKhpkXfWLV90hQevCL7IPzo18ORuyk0VqGwrsvFqeSuIoSYNS1NGVntd9wQlFsprFsUyEW0YLkk8t-2Ig/s1600-h/Purgat%C3%B3rio.(doc.1).jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5212180030280231586" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQpQgBp7NUdAIL2MJRbkqLlSH1Ku09l7AbzuwgChyphenhyphenPscsPmUCNaX02TzfQihXKhpkXfWLV90hQevCL7IPzo18ORuyk0VqGwrsvFqeSuIoSYNS1NGVntd9wQlFsprFsUyEW0YLkk8t-2Ig/s320/Purgat%C3%B3rio.(doc.1).jpg" border="0" /></a><strong><span style="color:#cc0000;"> Le cantique des fléaux</span><br /></strong><span style="font-size:85%;"><em>............À l’entrée d’un tunnel il y a un homme<br />............avec un drapeau. Il fait signe à la couleuvre<br />............Répondant, à un signal.<br />.................</em><span style="color:#993300;">Jaime Rocha</span></span></div><div><span style="color:#ffffcc;"><span style="font-size:85%;">.</span><br /></span>C’est par les mots enflammés<br />que rayonne la mort souveraine<br />les lieux assiégés, blasphème du silence.<br />Tout meurt dans les mots disponibles<br />seuls les corbeaux tristes<br />auxquels on solda le bec en fulguration d’argent<br />suspendent la mort avec astuce<br />dans le blanc des tuniques sous l’eau visible.<br />C’est dans cet espace ancestral<br />où autrefois allaient les hommes assoiffés<br />nourrir la fracture des viscères<br />suçant au ras du sol comme les couleuvres<br />que la pluie s’abat géométrique<br />brisant la portée de la gorge<br />qui garde les syllabes à l’arôme des tilleuls. </div><div><span style="color:#ffffcc;">.</span><br />L’homme est mort au-dedans du poème<br />comme le langage des anciennes écritures<br />et c’est son corps qui brille au travers du blanc.<br />Les couleuvres sortent de la terre<br />elles s’abritent dociles dans les tuniques algides<br />s’approchent du corps de l’homme exposé<br />illuminées par leur propre folie.<br />Elles avalent les restes de la chair corrompue<br />et inexplicablement leur épargnent les yeux<br />puis elles savourent ce qui va leur consumer<br />à tout jamais la langue le cœur des entrailles. </div><div><span style="color:#ffffcc;">.</span><br />Le secret absolu et divin de l’extermination du verbe.<br /><em><span style="color:#6633ff;">João Rasteiro</span></em></div><div><em><span style="color:#ffffcc;">.</span></em></div><div><em><span style="color:#6633ff;"><a href="http://nocentrodoarco.blogspot.com/">http://nocentrodoarco.blogspot.com/</a></span></em></div><div><em><span style="color:#6633ff;"><a href="http://fotoseliteratura.blogspot.com/">http://fotoseliteratura.blogspot.com/</a></span></em></div>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-4400468014584899272008-05-15T13:37:00.000-07:002008-12-11T17:01:18.591-08:00CrÍticas e comentários ao "BÚZIO de ISTAMBUL"<div align="justify"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzwLixEdZtU1oz7r5nf0x_oC5eTVN-TWmr82cc57wdwDzqzxbDUg3oaNug7X1fY9XkkRNq65TgNjywif8Cmwbo661rYMNbGUe-_rfcPSL6zPfKoCoBtW_4xnSARXjxrw5hvVTDXEUxDZs/s1600-h/CRITICAS.S.Salgado.(doc.1).jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5200708556008925106" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 206px; CURSOR: hand; HEIGHT: 149px; TEXT-ALIGN: center" height="120" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzwLixEdZtU1oz7r5nf0x_oC5eTVN-TWmr82cc57wdwDzqzxbDUg3oaNug7X1fY9XkkRNq65TgNjywif8Cmwbo661rYMNbGUe-_rfcPSL6zPfKoCoBtW_4xnSARXjxrw5hvVTDXEUxDZs/s320/CRITICAS.S.Salgado.(doc.1).jpg" width="174" border="0" /></a><strong><span style="font-size:130%;"> Criticas e comentários ao <span style="color:#ff6600;">BÚZIO de ISTAMBUL</span>:</span></strong><br /><br /><br />O BÚZIO de ISTAMBUL é um livro muito bom, não precisa de posfácio de ninguém.</div><div align="justify"><br /><strong><em><span style="color:#cc0000;">Casimiro de Brito</span></em> – Poeta e presidente do P.E.N. Clube Português</strong><br /><span style="color:#ffff99;">*<br /></span>Este seu BÚZIO de ISTAMBUL prossegue a aventura iniciada em livro anterior. Vejo porém, que investe agora longamente no poema em prosa, que lhe permite uma respiração mais ampla, mais afoita ou mais desafogada. Em alguns poemas, entretanto, é ainda o verso regular, escondido, que estrutura ou sustenta o discurso e onde a linguagem encontra ritmos e poemas de expressãop que a cada passo remetem para o universo camoniano, como é o caso da referência aos Rios da Babilónia, ou ao início do poema da pg. 22.<br />Por este búzio passam os ecos duma infância vivida entre amieiros, montes, o voo dos pássaros, o ventre nu. Assomam memórias e vislumbres, o justo arrepio das vozes/ o transparente da infância. Por isso as palavras, sopradas pelo bafo do poeta, correm para o poema, lá onde o fogo arde com ofício puro. </div><div align="justify"><br /><strong><em><span style="color:#3333ff;">Albano Martins</span></em> – Poeta, ensaísta e tradutor português.<br /></strong><span style="color:#ffff99;">*<br /></span>Meu caro João Rasteiro, é só para lhe dizer o quanto me interessou o seu belo livro - O Búzio de ISTAMBUL. Você aflora áreas do território poético que só raramente se vêem tocadas, o que confere aos seus textos uma força de ânimo, sustentada pela originalidade. Seduziram-me sobretudo as peças em prosa, tão tensas e tão intensas, e tão testemunhantes de um iridescente núcleo emocional.</div><div align="justify"><br /><strong><em><span style="color:#cc0000;">Mário Cláudio</span></em> – Ficcionista e poeta português<br /><span style="color:#ffff99;">*</span><br /></strong>“O búzio de Istambul”, de João Rasteiro é um livro que se deixa escutar. Esta talvez seja a melhor forma para se explicar o que este livro guarda e que o título bem anuncia. Na senda da metáfora mais densa, enunciada por Fiama Hasse Pais Brandão, o escritor conimbricense João Rasteiro lega a sua voz à voz de um lugar, um espaço onde os amieiros são predominantes. Por eles perpassa a memória dos rios, dos gestos, dos afectos. É o lugar onde as palavras se erguem em busca de uma outra dimensão, dimensão essa que o búzio se dispõe a revelar porque é essa a ressonância que guarda.Depois, o diálogo com outros poetas através de um jogo epigráfico deveras interessante, alguns em tom quase epistolográfico. Uma nota: os registos em prosa poética, cuja organização em ciclo permite a construção de histórias onde as palavras são as protagonistas.</div><div align="justify"><br /><strong><em><span style="color:#3333ff;">Xavier Zarco</span></em> – Poeta português </strong></div><div align="justify"><strong><span style="color:#ffff99;">*<br /></span></div></strong><div align="justify"><span style="color:#333333;">Caro João, seu “Búzio de Istambul” é um excelente livro: gosto muito da simplicidade e simultaneamente da sua densidade. Um livro generoso e humano, com uma dicção quase prosaica e ao mesmo tempo um ritmo surpreendente. A destacar os poemas dedicados a seu pai, ao Jorge de Sena e ao Al Berto, estes dois últimos são os meus preferidos, além do “Encontro com Herberto Helder”. Percebi também perfeitamente as suas leituras e me identifiquei plenamente com muitas delas! Gosto muito do “Poema dos jardins ausentes”: <em>(…) E é como se as rosas nascessem dos dedos/ como uma raiz imitando os frutos meu amor</em>. Muito belo. Obrigado pelo livro. Gostei muito.<br /><br /></span><strong><em><span style="color:#cc0000;">Susana Vargas</span></em> – Poeta, autora de literatura infantil e ensaísta brasileira </strong><br /><br /></div><div align="justify"></div>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-14044422382621452262008-05-12T12:30:00.000-07:002008-12-11T17:01:18.844-08:00Inês de Castro na literatura portuguesa<div align="justify"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh2PL4jM5sd_m9-lNOslNF9WjonoLXPHPuy6YmN1zrqTsgiC8IDwg5JvfVfqx_cN7o5VtvxfRLPolqTtmb6wx90XBHx11UMko4e3Tj2PwAlzljLKOA3mD_fNxEJPE27yh-4vlJ4-bv12sg/s1600-h/In%C3%AAs+de+Castro.(doc.1).jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5199576952385513154" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh2PL4jM5sd_m9-lNOslNF9WjonoLXPHPuy6YmN1zrqTsgiC8IDwg5JvfVfqx_cN7o5VtvxfRLPolqTtmb6wx90XBHx11UMko4e3Tj2PwAlzljLKOA3mD_fNxEJPE27yh-4vlJ4-bv12sg/s320/In%C3%AAs+de+Castro.(doc.1).jpg" border="0" /></a><br /><strong><em><span style="font-size:130%;color:#cc0000;">Análise crítica do conto "D. Pedro I e Inês de Castro", </span></em></strong><strong><em><span style="font-size:130%;color:#cc0000;">do livro "<span style="color:#3366ff;">Triunfo do amor português</span>", de <span style="color:#33cc00;">Mário Cláudio</span>:<br /></span></em></strong><br /><br />Em entrevista ao jornal Diário de Notícias, Mário Cláudio afirma que o que vamos encontrar, neste “Triunfo do Amor Português", é “Uma dimensão da urgência e da permanência do amor”, sendo que o que existe de comum nestas histórias de amor é “A transgressão”. É precisamente este factor de transgressão (e não propriamente um factor de culpa, como alguns poderão pensar), que encontramos no conto “Dom Pedro I e Inês de Castro”. Nesta transgressão Mário Cláudio coloca em causa uma racionalidade, um sentido, assente na modernidade judaico-cristã. É esta, em última instância, que é colocada em causa. O ”sentido” para o autor, é afinal o sentido mais verdadeiro: o sentido da irracionalidade dos pássaros(pág. 55), do amor, da vida (como apenas a outra face da morte), o sentido do corpo (que é apenas a outra face do espírito). E este sentido, que é um “sem sentido”, faz-se som dominante. Até porque o sentido e/ou racionalidade medieval não coloca as visões de vida e morte como antagónicas, tal como não o são as do real e da magia. Desta perspectiva, neste conto não existe uma questão de “ou”, "ou". Quase sempre, é uma questão de “e”. O amor "e" a natureza, "e" a vida, "e" a morte; a razão "e" a des-razão". O próprio sentido dominante é trucidado pelas gargalhadas do rei, através de um excesso cómico, lembrando o excesso barroco, também da pós-modernidade. Não concordo, nem o conto a exprime, com a ideia de que “Não há amor sem culpa”. Transgressão não significa culpa, e é desta transgressão que essencialmente trata este conto. Na imagem de D. Afonso IV, a depor uma cruz sobre o tampo de carvalho, o rei pretende livrar-se precisamente da sua culpa de amor, fosse o amor ao reino, fosse o amor a Inês de Castro(pág. 54), uma vez que a cruz traz, em si mesma, esse sentido de culpa. Este conto assenta numa estrutura do “acordamento”, que passa à viagem metafórica(meta-phoreia-transladar), a viagem em que se acompanha a outra, a literal: a do cadáver, de Coimbra a Alcobaça. As analepses existentes no conto, constituem uma viagem paralela: pela história do amor e pelo questionar/pelo reflectir sobre a sua natureza. As duas viagens, que são uma, terminam na “revelação” do sonho.Refira-se, como afirma Stephen Wilson, no posfácio à segunda edição do “Camões” de Ezra Pound, a importância dada por Pound à viagem, exumação e coroação póstuma(contrariamente a Camões), num “processo de actualização”, que, Pound considerava “como a tarefa principal do artista”. E, é essa “actualização” que a prosa de Mário Cláudio, permanentemente nos oferece. O texto decorre através de uma linguagem neo-formalista, que tenta recuperar um português primitivo, como primitivo é o lugar do amor e do sentido anterior a todos os sentidos. O amor como criação. Encontramos um narrador(D. Fernando), homodiegético(na terminologia de Genette) e não omnisciente. É neste narrador, que vai assentar toda a estrutura do conto, seja ao nível do “estranhamento” ou do “acordamento”. É através do narrador que se vai formando a ideia de uma Inês, uma personagem à volta de quem giram várias e complexas relações. Repare-se na relação entre Inês e Dona Constança. Será amizade, amor, ciúme ou outra relação ainda mais intrigante?(até porque a dificuldade do amor assenta precisamente na sua não compreensão, na sua não - humanidade – ele é para além de nós). Daí se poder questionar(pág. 46) de quem teria Dona Constança ciúmes. Seria de Pedro, ou de Inês? O autor e/ou narrador deixa-nos numa encruzilhada, simbolizada no jogo de xadrez a que Dona Constança se entrega. O xadrez, como possível metáfora do poder( político, económico ou moral), mas sobretudo do poder do amor. Na página 49, existe mesmo uma alusão, uma suspeita de quase "incesto", na relação entre D. Afonso e Inês de Castro. O próprio narrador(D. Fernando) refere(pág. 47): “plantou-se meu pai como se guardasse a que fora sua, e creio que sua apenas”. Porquê esta re-afirmação do narrador? Será que foi mesmo de mais alguém? De D. Afonso IV, Dona Constança, de um outro desconhecido? Aliás, importa referir que se o carácter de D. Pedro nos é apresentado como o de um homem desequilibrado, sob uma forma animalesca, Inês, como refere o narrador, não é nenhuma santa(pág. 47): ela é homenageada, não por ser santa, mas por ser desgraçada como todos eles. É uma anti-heroína. Perpassa, como fundamental neste conto, a celebração da vida através da celebração da morte(daí a reposição da “dança da morte”, uma “dança macabra”(na pág. 48), onde se mostrava e evidenciava , “o primado da vida”). Aqui, o amor está ligado à morte e à vida, à celebração da própria natureza(e não à celebração das normas éticas e morais de uma sociedade). Repare-se nas mágoas de D. Pedro, “curadas” pela madrugada, nos casebres das moças que dormiam. Na presença da morte, a sexualidade, a vida. A morte surge como festa, celebrando a vida: como na natureza do próprio amor. Atente-se no pormenor que é a sobreposição do orgasmo de D. Pedro ao último suspiro de Dona Constança. Não existe neste conto - nem na natureza do amor - separação entre vida e morte. Pode-se dizer, tendo em conta o que diz o narrador(pág. 52): “como se a paixão maldita que não se extingue permanecesse”, uma vez que a impossibilidade de deixar de amar é igual à impossibilidade do triunfo da morte absoluta”. Daí que D. Pedro vá vivendo o seu amor - entregando-se à morte - da própria amada e dela fazendo rainha. Regresso por fim ao narrador, D. Fernando, que é na verdade a personagem essencial deste conto. Nele vamos encontrar uma permanente des-identidade. Como é sugerido(pág. 56), ele é simultaneamente Inês, mulher, homem, alguém que está preso num espartilho(que diariamente lhe colocavam, com as suas vestes), que é o espartilho da sociedade. O espartilho do poder, político, ético, cultural e social com que não se identifica. D. Fernando não consegue livrar-se da imagem da mãe; logo, não poderá amar a mulher, Dona Leonor, que, tal como todas as mulheres, lhe lembra a mãe. Precisa urgentemente que o rei morra, condição para não continuar a submeter-se ao seu poder falocêntrico, ao poder do homem que odeia e simultaneamente ama com desespero. Atrevo-me a afirmar(como diria Freud), verificar-se em D. Fernando uma questão edipiana por resolver. Razão para se falar de homossexualidade? Talvez, embora hoje, muito discutível, pois todos os símbolos da sua "identidade", - de uma identidade que lhe é imposta do exterior, e que o castra -, são a principal razão que o impede de amar, de possuir o “amor verdadeiro”. O seu amor, como todo o verdadeiro, é o amor dos condenados (de certa forma, embora noutra perspectiva, o mesmo acontece entre D. Pedro e Inês, pelo menos ao nível da leitura literária-histórica), dos que estão fora do sentido dominante, dos fora da lei e da ordem, social e moral. Por isso, o “bobo”,(personagem fortíssima da literatura, nomeadamente no teatro shakesperiano), o "bobo Fernando", onde se afronta a ordem instituída, mas em cuja "desordem" estamos mais próximos da verdade – e, neste caso, da verdade do amor. É, tal como refere Charles Bernstein, num ensaio que me foi dado a ler numa aula de Poética e Escrita Criativa, é a comédia e/ou cómico(não a ironia "educada"): a "estilhaçar" a ordem do real. Todo o final do texto é pathos(excesso) e grotesco, erro e criação, morte e vida e morte. Uma visão do amor, como sinónimo da visão do inferno, mas, como referi, sem existência da culpa - um inferno sem culpa. Talvez o que nos fica seja o temor perante a transgressão, mas desligada da culpa. Por isso, atrevo-me a considerar este conto uma celebração do amor, desse amor puro e transgressor. Porque o amor é sempre uma afronta a todo o sentido instituído. É a liberdade absoluta perante qualquer ordem e/ou poder instalado, seja ele social, político, moral, cultural ou religioso. Uma liberdade perante todas as formas de linguagem e seu poder. Concluindo, estamos perante um texto extraordinário, onde o cenário de Coimbra se apresenta como o ideal para a história e para a pureza do amor. Amor, que, através da palavra de Mário Cláudio, procura a liberdade absoluta do ser humano, para um sentido outro, na vida e na morte.<br /></div><div align="justify"><em><span style="color:#660000;">Texto apresentado no Anf. IV da Faculdade de Letras/Universidade de Coimbra, Dezembro de 2005 (Comemorações dos 650 Anos da Morte de Inês de Castro).<br /></span></em><strong><span style="color:#993300;"><em><span style="color:#cc0000;">João Rasteiro</span><br /></em></span></strong></div>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-68908236509062598202008-05-02T14:29:00.000-07:002008-12-11T17:01:19.318-08:00Intervenção na III Bienal de Poesia de Silves<div align="justify"></div><div align="justify"><strong><span style="color:#990000;">Fotos de Sebastião Salgado</span></strong></div><div align="justify"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiyx3UoTH4fgmb5MhuY4_kdpax0kOrvAOcpESPUXM0q3qhikDixbQLi1leosDG_lLB8znTKJ8RL2LPrDrD8BhiTfPHrIbdofsvPWgepJU2R5-sPHFccPRp9i3VQW3DKpcpiYLUD4vatK7U/s1600-h/sebastiao_salgado.X.(doc.1).jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5195896814382111058" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 385px; CURSOR: hand; HEIGHT: 261px; TEXT-ALIGN: center" height="237" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiyx3UoTH4fgmb5MhuY4_kdpax0kOrvAOcpESPUXM0q3qhikDixbQLi1leosDG_lLB8znTKJ8RL2LPrDrD8BhiTfPHrIbdofsvPWgepJU2R5-sPHFccPRp9i3VQW3DKpcpiYLUD4vatK7U/s320/sebastiao_salgado.X.(doc.1).jpg" width="367" border="0" /></a><strong><span style="font-size:180%;color:#cc0000;"> Poesia, Poeta, Poema – <span style="color:#33ffff;">Linguagem<br /></span></span></strong><br />Partindo da epígrafe de Dora Ferreira da Silva, começo por afirmar uma posição totalmente contrária, mesmo de oposição feroz, ao referido na epígrafe supradita.<br />Naturalmente que o aprender de regras (o iambo, o verso livre, o soneto, a quadra, a aliteração, a assonância, etc) não é um atestado de certificação que transformará alguém em poeta, ou pelo menos em bom poeta, mas só o domínio mais ou menos soberano destas regras permitirá depois ao escritor, ao poeta, a ousadia e muitas vezes apenas o sonho de reelaborar as palavras, a linguagem, numa página em branco.<br />Picasso afirmou que quando tinha quinze anos sabia desenhar como Rafael, mas precisou de uma vida inteira para aprender a desenhar como uma criança. Para isso foi preciso primeiro aprender e dominar a técnica.<br />Como refere Maiakovski no ensaio Como fazer versos: “Na obra poética, a novidade é obrigatória. O material das palavras e dos grupos de palavras de que dispõe o poeta deve ser reelaborado. (…) Material. As palavras. Fornecimento constante aos depósitos, aos barracões de seu crânio, das palavras necessárias, expressivas, raras, inventadas, renovadas, produzidas, e toda outra espécie de palavras”.<br />No início de um amargurado e desmotivador século XXI, a poesia tem também de se interrogar, de produzir em si mesma uma atenta reflexão sobre a forma mais adequada de questionação e representação, não do mundo, mas de mundos, de mundos muito próprios, de mundos enraizados nos seus códigos e convicções, impondo quase programaticamente (e não me refiro, em sentido lato, a posições políticas, apesar de o uso da palavra através de um poema não deixar de ser sobretudo um acto político, um acto de poder enquanto tal) uma forma de intervenção na comunidade.<br />Charles Bernstein, um dos nomes mais destacados do movimento LANGUAGE, afirma estar hoje mais interessado na forma de dizer, do que no “recheio” que se tem para oferecer, porque a linguagem poética tem de ter acção, tem de intervir, sendo que se paga o preço por se estar mais disposto a representar do que actuar. Daí ser natural para ele que o que a poesia trabalha é mais importante do que o que a poesia possa dizer.<br />Se Harold de Campos, no livro “O Arco-Íris Branco”, já refere que “O social na poesia é a linguagem; é pela linguagem (pela função verbal, como refere Tinianov) que a literatura se relaciona com a série social”, Bernstein vai mais longe, desejando que “o barulho social seja um som que a poesia pode não só fazer, como também ecoar e ressoar” e para isso defende que quase sempre lhe interessa mais a forma como se diz, do que aquilo que se diz. “O que a poesia trabalha é mais importante do que o que a poesia diz”, porque, como refere, a poesia terá cada vez mais de ser uma voz que actue fortemente como se fosse sempre uma oportunidade única.<br />Aliás, repare-se no facto extraordinário, de um escritor como Flaubert, em pleno século XIX (embora se refira à prosa), afirmar que o que importava mais para ele não era a história, mas o modo de escrevê-la. Porque de facto, esta é sem dúvida a matéria da criação literária: a linguagem, e o que realiza a escrita, o poema, não é a inspiração, mas a expressão, o trabalho na pedra, o trabalho agreste com a palavra.<br />Assim, e embora saibamos que é uma ilusão poder dominar a linguagem (porque sendo ela o grande poder sobre a terra, é ela que nos domina, nós apenas poderemos ambicionar a reorganizá-la e a contê-la) deve-se estabelecer, ou pelo menos devemos estar preparados para estabelecer algumas regras no acto de criação, até porque é essencial que a arte, a poesia, a escrita, sejam encaradas (sobretudo pelo criador) como acto e não como produto, e para isso é preciso realmente aprender de alguma forma as regras. E depois, aliar essas regras com o fôlego, mais do que com a inspiração, do criador, do poeta.<br />O poema, sendo uma construção permanente, acto ininterrupto, seja sob a forma sonora, imagética, de pensamento, ou de outros quaisquer recursos, propõe-se naturalmente a um efeito estético, que se diferencia da simples observação e reflexão do real. Daí muitas vezes colidir e discordar com as normas padrão do uso da linguagem, criando uma sintaxe outra, um léxico, uma regra outra (mas é sempre uma regra), porque o poema não diz algo; não é produto; ele é esse algo, é acto incessante na experimentação e questionação de mundos (não do mundo) e da própria linguagem.<br />Logo, como referia Picasso, só aprendendo, só apreendendo as regras, será possível construir-desconstruir, construir-desconstruir, construir-desconstruir, porque a inspiração por vezes existe mas é preciso que encontre o artista a trabalhar, ou seja, é necessário dominar o mais possível as técnicas de pintura, e neste caso a técnica da poesia e da linguagem, para ousar fazer um poema branco sobre o branco, um quadro branco sobre branco, como fez Malevitch.<br />Décio Pignatari, no livro “Comunicação Poética” refere que “O poema é um ser de linguagem. O poeta faz linguagem, fazendo poema. Está sempre criando o mundo (eu reafirmo, criando um mundo). Com isso, o mundo da linguagem e a linguagem do mundo ganham troncos, ramos, flores e frutos. É por isso que um poema parece falar de tudo e de nada, ao mesmo tempo”.<br />Só o conhecimento absoluto de seu métier liberta o artista para a procura do desconhecido, para a explosão da imaginação. Se Picasso conseguiu alcançar a libertação das regras e do jugo da forma foi justamente por dominar estas mesmas regras e forma em sua total plenitude.<br />Por sua vez, Chomsky caracteriza o facto linguístico em dois níveis não separados: o nível da competência (domínio técnico da linguagem) e o nível do desempenho (aquele em que o falante e o escritor cria tendo como suporte o nível de competência).<br />A poesia, o poeta, o poema – a <strong>LINGUAGEM</strong> – com o seu sopro e as suas regras, transgredindo se possível em si mesma (porque não existe uma não linguagem, e se ambicionamos uma linguagem outra, provavelmente estaremos a falar das cavernas mais profundas da linguagem que ainda não conseguimos alcançar) criando, reelaborando em contínuo acto de poiésis, numa obscura dimensão onde se encontram o instinto e a técnica.<br /></div><p><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLr2iw9FORiNCJgP14f0S_qr0NVhvUPxgaB_gl5QK-SucM1iAZ2j396iS2SPHGpyMCTonl68U0EAWX_GUU-2_vnl41T-ztCRB7zsaEY4v0CbWtwxKeSaZgRNW2zhBQANZpHPi6m-zJPP0/s1600-h/Sebasti%C3%A3o-Salgado.XX.(doc.1).bmp"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5195896629698517314" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiLr2iw9FORiNCJgP14f0S_qr0NVhvUPxgaB_gl5QK-SucM1iAZ2j396iS2SPHGpyMCTonl68U0EAWX_GUU-2_vnl41T-ztCRB7zsaEY4v0CbWtwxKeSaZgRNW2zhBQANZpHPi6m-zJPP0/s320/Sebasti%C3%A3o-Salgado.XX.(doc.1).bmp" border="0" /></a> Como refere o poeta búlgaro <strong>Georgi Gospodinov</strong> no poema “<em>Técnica para Fazer Filetes de Textos”:</em><br /><span style="color:#ffff66;">.<br /></span>1. O peixe do texto (e também o texto de peixe) deve ser<br />consumido depois de a espinha dorsal e de as espinhas<br />das consonantes serem removidas. Reparem que nas<br />crianças pequenas os primeiros peixes (textos) são fofos e<br />quiidos (e não queridos) compostos principalmente da<br />alma-polpa macia das vogais. Conforme vão crescendo,<br />espinhas pequeninas, rijas, cada vez mais r-r-r-ijas<br />ganham raízes nesta polpa.<br /><br />2. “AMOR, SOU DELICIOSA?”<br />As palavras são pequenos peixes<br />Com muitas espinhazinhas-consoantes<br />Deixa que eu tiro-tas<br />Antes de me derreter na tua boca.<br />“AO, OU EIIOA?”<br /><span style="color:#ffff66;">.<br /></span>3. Esta técnica pode ser aplicada com sucesso na absorção<br />(de textos clássicos já prontos.<br />Em filetes a polpa do texto ecoa, dotando-os de uma<br />(beleza primitiva.<br />Assim<br />Ela era uma aparição deleitosa<br />quando primeiro brilhou ao meu olhar<br />faz-se<br />ea ea ua aaião e eioa<br />uao ieio iou ao eu oa<br />As espinhas das consoantes extraídas qnd prmr brlh m lh<br />podem ser atiradas a um cão que passa.<br />au – au – au au<br />Ouve!<br />Nem uma única espinha<br />na voz do cão.<br /><br /><strong><span style="color:#3366ff;">Silves, 25.04.2008<br /></span><br /><span style="color:#ff0000;"></span><span style="font-size:130%;"><span style="color:#cc33cc;"><span style="color:#ff0000;">João Rasteiro</span></span><br /></span></strong><br /><strong><span style="font-size:85%;color:#ff99ff;">Guns N Roses - Knocking On Heaven's Door</span></strong><br /><object height="355" width="425"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/vcWTTs8QVRc&hl=pt-br"><param name="wmode" value="transparent"><embed src="http://www.youtube.com/v/vcWTTs8QVRc&hl=pt-br" type="application/x-shockwave-flash" wmode="transparent" width="425" height="355"></embed></object></p><p><a href="http://margensdapoesia.blogspot.com/">http://margensdapoesia.blogspot.com/</a></p>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-71644702367609502102008-03-30T10:04:00.000-07:002008-03-30T10:15:18.370-07:00O Búzio de Istambul<p></p><p></p><p></p><p>Menino poeta - Poeta menino - POETA</p><p><object height="355" width="425"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/DQ3jmXWp0Uo&hl=pt-br"><param name="wmode" value="transparent"><embed src="http://www.youtube.com/v/DQ3jmXWp0Uo&hl=pt-br" type="application/x-shockwave-flash" wmode="transparent" width="425" height="355"></embed></object><br /><span style="color:#cc0000;"></span><strong><span style="font-size:130%;"><span style="color:#cc0000;">O poeta</span></span></strong><strong><span style="font-size:130%;"><br /></span></strong>Apenas vi mais um condenado, simplesmente<br />invadindo paisagens como demência de pássaros<br />o poeta com mais sangue que água - festim<br />mais ingénuo que agonia - corpo vasto despido<br />como se encobrisse cada golpe o mênstruo novo.<br /><br />Na cilada guinchos sagrados triturando chagas<br />forma robusta de lume rasgada pelos dentes<br />sulco álgido da alucinação sedenta de banquetes<br />farejando o eclipse materno porque desígnio,<br />poeira, onde bichos se devoram extasiados entre si.<br /><br />E ele, que se via atravessado pelas garras prenhes<br />flores virgens nas entranhas agonizantes de sol,<br />da carne à terra a matéria extraída do doce crime.<br /><br />Ao seu lado as suas próprias vísceras nuas abertas<br />lágrimas cosidas numa tábua aplainada de desejos.<br />A seiva do mundo espetada na pele como esporas<br />vozes órfãs reunindo-se oferenda contra a morte.<br /><br />Aí nasce pela primeira vez o clamor do relâmpago<br />o sangue sem nome gerando a pupila do besouro.<br />Ninguém já sabe o que busca entre a ávida língua.</p><p>In, <span style="color:#cc0000;"><em>O Búzio de Istambul</em></span> - 2008</p>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-2522054935327009822008-03-01T13:26:00.001-08:002008-12-11T17:01:19.348-08:00O Búzio de Istambul<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEinAxVnCpc7AMHp52xUvEz4opg8pDsH4iArNc-bwelfH8fcPWkfDGWgQ72iyIqBFDS8HnFO-yuKidiAwOyHGQlvBvqZLP2Zp23ykZJwRLUckjzIwFAXMPLup_MKzqWvfiCg8bmPEmj9AT8/s1600-h/capa.O+b%C3%BAzio+de+Istambul.(doc.1).jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5172887949459504434" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; CURSOR: hand; TEXT-ALIGN: center" height="332" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEinAxVnCpc7AMHp52xUvEz4opg8pDsH4iArNc-bwelfH8fcPWkfDGWgQ72iyIqBFDS8HnFO-yuKidiAwOyHGQlvBvqZLP2Zp23ykZJwRLUckjzIwFAXMPLup_MKzqWvfiCg8bmPEmj9AT8/s320/capa.O+b%C3%BAzio+de+Istambul.(doc.1).jpg" width="236" border="0" /></a><br /><strong><span style="color:#cc0000;">Encontro com Herberto Helder<br /></span></strong><span style="color:#3366ff;"><em><span style="font-size:85%;">A Luís de Camões</span></em><br /><br /></span>Há algures uma cidade interrompida onde a luz<br />já se vai perdendo prostrada entre as âncoras<br />como estiletes arejados enjaulados nas palavras,<br /><br />deves ir pela tarde mágica das trovoadas ávidas<br />quando Cascais vai morrendo um pouco menos<br />apesar de o miolo da carne infindável ser sangue<br />emergindo como fungos atiçados junto à pele<br />em ciclos de intempéries e migrações filicídias,<br /><br />vai procurá-lo nos jardins embora não te fale<br />(esquecerás que transportas o contágio das dores<br />as manhãs ressuscitarão secas sobre os espigões<br />ao longo das vozes aguçadas a cidade coagulada<br />ardendo nas candeias sob o ritual dos êmbolos),<br /><br />pergunta na praça das súplicas enxutas dos velhos<br />por aquele homem que menstruou a sílaba nua<br />quando na cidade passava o ar odorífero das ilhas<br />ele que lutou nos campos da cal contra as cobras<br />para que a escassa estria ainda se ouça torrencial,<br /><br />no absurdo da busca na casa do espectro da areia<br />reside a transparência materna os últimos dias<br />senta-te sob os salgueiros com a cabeça inclinada<br />ouve o vento e cheira as entranhas certas da morte<br />o corpo estilhaçando-se em múltiplas direcções,<br /><br /><br />pára não digas nada ao ouvido das nascentes<br />(enquanto escutas as patas frágeis da magnólia<br />bebe a cidade pelo sexo aberto das fêmeas azuis<br />guelras por onde resfolega toda a luz preambular<br />como se fosse a redentora faísca o corpo vegetal),<br /><br />aí, junto à água, o engenho das bigornas brancas<br />o fogo das mãos sagazes ardendo como ofício puro<br />casulo entre as bilhas onde habita o bafo do poeta.<br />------------------------------------------------------------------------------------<br /><div align="justify">(...)</div><div align="justify">Os lugares são fabulosos quando digo lugares. Nas ruas e no largo da Rigueira não passava ninguém, a aldeia hibernava, estava morta, dormia, dormias pesado, pai. Podia abrir uma fenda nos dedos, e respirar o ar fresco das cidades, libertando-me deste sopro interior, deste sopro que cicatriza nas feridas abertas no Outeiro ao fim da tarde, na inquietação do corpo quanto ao destino, quando em 1996, sob o vento de Outubro, antes que a noite se aproximasse, te procurava por entre os odores dos amieiros, porque o amor é forte como a morte, mais forte que a eternidade dos mortos – te procurava na pureza do linho e das mortalhas sagradas, pai. E nem me despedi, pai.</div><div align="justify"><span style="font-size:78%;">.</span></div><div align="justify"></div><div align="justify">E hoje, na Primavera em que todas as memórias morreram, enterrei o teu nome num canteiro de magnólias de cristal e olho-o de longe, para que a minha boca não se rasgue mais em suas arestas. E ele ferve. E colho flores e as minhas vestes ficarão perfumadas. Regresso quando a palavra se detém no sémen dos amieiros, enquanto construo a memória de que eles fazem parte, com a solidão nua e intacta das vozes que os protegem de mim.<br /><strong><em><span style="color:#006600;">João Rasteiro</span></em></strong> </div>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-14379727854333830712008-02-23T09:26:00.000-08:002009-04-09T12:04:03.165-07:00Traduções III<span style="color:#cc0000;"><em><strong><span style="color:#009900;">Mentre il silenzio perdura</span><br /></strong></em><br /></span><span style="color:#000000;">Nel centro docile dell’attesa<br />cattedrali sanguinano gli occhi mordenti la calma.<br />E l’olio e il vino, sciolsero<br />il seme in bozzoli dorati, che<br />gli alberi fendettero.<br />Il corpo, lo divorano i metalli incendiati<br />nella danza dei polmoni, che bambini<br />rinnegarono nell’eclissi.<br />Forse nel marmo calcificato di promesse<br />l’orto si purifichi, cercando nel candore<br />della luce, il puro tatto dei suoni.<br />E l’uomo strazia il respiro, lapidato nella<br />saliva delle unghie, dove uccellini volano tra le dita<br />curvate sul volto di acacie.<br />Nel sale di questo pianto, l’apprendista segreto<br />di sogni e luce.<br />Su queste vetrate dal veder passar<br />le parole, dalla polvere che si scuote,<br />accetto il silenzio come un amante. </span><br /><span style="color:#000000;"><br /></span><strong><em><span style="color:#3366ff;">Enquanto o silêncio durar</span></em></strong><br /><span style="color:#cc0000;"><br /></span><span style="color:#000000;">No centro dócil da espera<br />catedrais sangram os olhos que mordem o sossego.<br />E o azeite e o vinho derreteram<br />a semente nos casulos doirados, que<br />as árvores talharam.<br />O corpo, devoram-no os metais incendiados<br />na dança dos pulmões, que crianças<br />renunciaram no eclipse.<br />Talvez no mármore calcificado de promessas<br />o horto se purifique, procurando na candura<br />da luz, o puro tacto dos sons.<br />E o homem rasga o sopro, lapidado na<br />saliva das unhas, onde pássaros voam pelos dedos<br />curvados no rosto das acácias.<br />No sal deste choro, o aprendiz secreto<br />de sonhos e luz.<br />Nestas vidraças de ver passar<br />as palavras, desde o pó que se sacode,<br />aceito o silêncio como um amante<em><strong>.</strong></em><br /><strong><em></em></strong></span><br /></span><strong><em><span style="color:#cc0000;">La danza delle madri</span></em></strong><br /><br />Nella bellezza incurabile delle ferite<br />si alimentano madri senza tregua.<br />Nei fiumi in secca, battono e battono i cuori<br />alimentati da sangue freddo e spesso.<br />Che è livido. Che cerca le radici.<br />Il cuore è una strana bestia, che va camminando<br />goccia a goccia. E le ferite imprudenti<br />si approssimano alle madri, imprudenti al peso<br />di ogni respiro. L’amore eternamente feroce.<br />E le ferite delle madri, sono ogni volta più belle.<br />La paura cammina violentemente più vicino,<br />nel corpo, nel viso, nelle vertebre e nel ventre,<br />dove si ripara con il suo volubile volume<br />il silenzioso amore di madre.<br />Sotto il fogliame dell’acqua, madri stanche<br />dell’ aridità che le tocca, si incendiano attraverso<br />i figli. E i figli, quel piombo conficcato<br />nelle ali, quel progetto che sopra il mar si estende<br />alimenta le ferite mediante i tendini.<br />Le madri piluccano sulla sabbia la loro rotta chiara,<br />fino alla fine del mondo . Come per l’ultima volta.<br />Sulla montagna, un figlio si incorpora nella bellezza<br />incurabile delle ferite, mentre madri tastano<br />la pietra, fino a divenire fiore.<br />Talvolta sanguinano e cantano, asciugano gli occhi,<br />strappano i sessi e in permanente lotta, corpo<br />a corpo , l’amore si estende, ma i gesti<br />sono freddi, in questo camminare osceno<br />di persone senza frutti. Deve entrare in una goccia, tutto<br />il tempo, tutto amore, di una vita senza storia.<br /><strong><em><span style="color:#3366ff;">Tradução:</span> <span style="color:#ff6600;">Alberto Sismondini</span></em></strong><br /><strong><em><span style="color:#33cc00;">------------------------------------------------------</span></em></strong><br /><strong><em><span style="color:#cc0000;">A dança das mães</span></em></strong><br /><strong><em><span style="color:#cc0000;"></span></em></strong><br /><em><span style="color:#333333;">Na beleza incurável das feridas</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">alimentam-se mães sem trégua.</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">Nos rios secos, batem e batem os corações</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">alimentados em sangue frio e espesso.</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">Que é lívido. Que procura as raízes.</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">O coração é um bicho estranho, que vai caminhando</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">gota a gota. E as feridas imprudentes</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">aproximam-se das mães, imprudentes ao peso</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">de cada sopro. O amor eternamente feroz.</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">E as feridas das mães, são cada vez mais belas.</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">O medo caminha violentamente mais perto,</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">no corpo na cara, nas vértebras e no ventre</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">onde se abriga com seu volúvel volume.</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">o silencioso amor de mãe.</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">Sob a folhagem da água , mães cansadas</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">da aridez que as toca, incendeiam-se através</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">dos </span><span style="color:#333333;">filhos. E os filhos, esse chumbo cravado</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">nas asas, esse projecto que sobre o mar se estende,</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">alimenta as feridas pelos tendões.</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">As mães debicam sobre a areia a sua rota clara,</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">até ao fim do mundo . Como pela última vez.</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">Sobre a montanha, um filho incorpora-se na beleza</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">incurável das feridas, enquanto mães tacteiam</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">a pedra, até ser flor.</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">Por vezes sangram e cantam, secam os olhos,</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">arrancam os sexos e em permanente luta, corpo a</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">corpo, o amor estende-se mas os gestos</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">são frios , neste caminhar obsceno</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">de pessoas sem frutos. Há-de caber numa gota,</span></em><br /><em><span style="color:#333333;">todo o tempo, todo o amor, de uma vida sem história.</span></em><br /><strong><em><span style="color:#33cc00;">-------------------------------------------------------------------</span></em></strong><br /><span style="color:#333333;"><span style="color:#cc0000;"><em><strong>La danza delle madri<br /><br /></strong></em></span>Nella bellezza incurabile delle ferite<br />si alimentano madri senza tregua.<br />Nei fiumi asciutti, battono e battono i cuori<br />nutriti di sangue freddo e denso.<br />Che è livido. Che cerca le radici.<br />Il cuore è uno strano animale, che cammina<br />goccia a goccia. E le ferite audaci<br />si avvicinano alle madri, audaci al peso<br />di ogni soffio. L’amore eternamente feroce.<br />E le ferite delle madri, sono ogni volta più belle.<br />La paura cammina violentemente più vicino,<br />nel corpo, nel viso, nelle vertebre e nel ventre,<br />dove si annida con il suo volubile volume,<br />il silenzioso amore di madre.<br />Sotto il fogliame dell’acqua, madri stanche<br />dall’ aridità che le tocca, si incendiano attraverso<br />i figli. E i figli, questo piombo inchiodato<br />nelle ali, questo progetto che si estende sul mare,<br />alimenta le ferite attraverso i tendini.<br />Le madri beccano sulla sabbia la loro chiara rotta,<br />sino alla fine del mondo . Come per l’ultima volta.<br />Sulla montagna, un figlio si fonde nella bellezza<br />incurabile delle ferite, mentre madri palpeggiano<br />la pietra, fino a diventare fiore.<br />A volte sanguinano e cantano, asciugano gli occhi,<br />arrancano i sessi ed in lotta permanente, corpo<br />a corpo , l’amore si estende, ma i gesti<br />sono freddi, in questo camminare osceno<br />di persone senza frutti. Così da entrare in una goccia,<br />tutto il tempo, tutto amore, di una vita senza storia.<br /><em><strong><span style="color:#3366ff;">Tradução:</span> <span style="color:#ff6600;">Angelo Manitta</span><br /></strong></em><span style="color:#ff99ff;"><em><strong>(<span style="color:#ff0000;">Oltre la siepe</span> – <span style="color:#333333;">Antologia del premio Publio Virgilio Marone – 2004</span>)<br /><br /><br /><br /></strong></em></span></span><span style="color:#333333;"><span style="color:#ff99ff;"><em><strong></strong></em></span></span><span style="color:#333333;"><span style="color:#ff99ff;"><em><strong></strong></em></span></span>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-22823302733973788242008-02-10T09:12:00.000-08:002008-02-10T09:19:00.050-08:00Traduções II<div align="left"> <strong><em><span style="color:#cc0000;">Poema de los jardines ausentes<br /><br /></span></em></strong> Hoy recorrí todos los jardines de la tierra<br /> y estoy a tus pies con las manos vacías, mi amor,<br /> los jardines sólo respiran ese desnudo fulgor<br /> rutilando caligrafias en el mismo centro de la piedra.<br /><br /> Mañana volveré a recorrer todos los jardines<br /> al ritmo casi inmóvil de un secreto,<br /> en un murmullo que preserve el aliento<br /> para sumergilo en una boca de mujer.<br /><br /> He de recorrer todos los jardines sagrados<br /> que habitan delicados y densos laberintos,<br /> y hallar los vocablos de los pétalos de la rosa<br /> que unen lo entredicho al centro de las palabras.<br /><br /> Y es como si las rosas naciesen de los dedos<br /> como una raíz imitando los frutos, mi amor.</div><div align="left"><em><span style="color:#6633ff;">In, Cánticos de la Frontera - ( Trilce Ediciones - Salamanca),2005</span></em></div><div align="left"> <span style="color:#3366ff;"> </span><em><span style="font-size:85%;color:#660000;"><strong>Tradução de Alfredo Perez Alencart</strong></span></em></div><div align="left"><span style="color:#3366ff;"> </span><span style="color:#006600;"> ....................... OOO..........................</span></div><div align="left"><span style="color:#006600;"><br /><span style="color:#cc0000;"> Poema dos jardins ausentes<br /></span><br /></span><span style="color:#000000;">Hoje corri todos os jardins da terra<br />e estou ao pé de ti de mãos vazias meu amor,<br />os jardins só respiram esse fulgor desnudado<br />a rutilar caligrafias mesmo no centro da pedra.<br /> <br />Amanhã voltarei a correr todos os jardins<br />ao ritmo quase imóvel de um segredo,<br />num murmúrio que preserve o alento<br />para mergulhá-lo numa boca de mulher.<br /> <br />Hei-de correr todos os jardins sagrados<br />que habitam subtis e espessos labirintos,<br />e encontrar os vocábulos das pétalas da rosa<br />que unem o interdito ao centro das palavras.<br /><br /> E é como se as rosas nascessem dos dedos<br />como uma raiz imitando os frutos meu amor.</span></div>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-19787759620151573242008-02-10T08:52:00.000-08:002008-12-11T17:01:19.710-08:00Prefácio ao livro "No Centro do arco<div align="justify"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgodUJOcDUwUbZaF3mJM1dVXpON0C7HovGjtf9PNX72G0l-2rq7NvPIs4ggLdXkBCRkay88chAha5VVOgI7ExPIxOlBUNvQkdCBdJ3CDPnOuGwVwKKiNzrmxMRjFBue5Q3uFt4ZN6pWX58/s1600-h/Capinha.(doc.47).jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5165398128650707186" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 99px; CURSOR: hand; HEIGHT: 151px" height="137" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgodUJOcDUwUbZaF3mJM1dVXpON0C7HovGjtf9PNX72G0l-2rq7NvPIs4ggLdXkBCRkay88chAha5VVOgI7ExPIxOlBUNvQkdCBdJ3CDPnOuGwVwKKiNzrmxMRjFBue5Q3uFt4ZN6pWX58/s320/Capinha.(doc.47).jpg" width="96" border="0" /></a> Em "A Respiração das Vértebras", primeiro livro do poeta João Rasteiro, finalizava-se com um pequeno passo de um outro texto, publicado na 1º série da revista "Oficina de Poesia", a cujo Conselho de Redacção o autor pertence. A "collage" foi identificada apenas por alguns, mas é o espírito que subjaz à utilização dessa técnica, bem como o contexto em que o trabalho se desenhou, que me importa aqui referir. Falo do diálogo que uma pequena comunidade poética vem a desenvolver há já cerca de 10 anos. João Rasteiro integra essa comunidade, criada no âmbito de um curso livre de Escrita Criativa (Oficina de Poesia) título que passou à revista, oferecido pela Universidade de Coimbra e dirigido por mim própria. A "sagrada" - autor/ia-autor/idade - constitui-se como uma espécie de núcleo temático do debate, num curso em que o individualismo "inspirado" e "genial" é não só questionável mas, quase sempre, também dispensável.<br />A consciência de que usamos como material as palavras da tribo e a certeza de que o nosso trabalho poético - que entendemos como trabalho de reinvenção - só faz sentido no seio da comunidade mais vasta, leva-nos a afirmar, com Robert Duncan, entre outros, que todos somos derivativos. O poema surge, assim, "ditado" pelas vozes que enchem a nossa experiência pessoal: as vozes da história e da cultura da tribo em que nos incluímos, as vozes de toda a evolução do universo em cujo movimento participamos, as vozes de toda a tradição literária de que fazemos parte (mesmo pelas vozes que aí rejeitamos) - mas também pelas vozes que fazem a insignificância(tão significativa) do nosso quotidiano, em que, para alguns de nós, existem as vozes de outros poetas com quem nos encontramos, semanalmente, para trabalhar em conjunto (e isso pode traduzir-se, por exemplo, em poemas escritos a várias mãos, em "collage" em variações sobre poemas de outros, etc).<br />O final de "A Respiração das Vértebras" surge assim também, de certo modo, no início deste novo livro de João Rasteiro: "No Centro do Arco" começa com duas epígrafes e uma delas é de Robert Duncan, tal como era de Robert Duncan aquele título do poema final no livro anterior,"A Grande Deusa", por mim, já antes, apropriado. Digamos que, no nosso diálogo semanal, certas obsessões se vão tornando centrais e que vejo, neste trabalho de Rasteiro, uma espécie de resposta às minhas próprias obsessões, que partilhei (para o bem e para o ma) ao longo de vários anos de estudo sobre o trabalho de um dos maiores poetas norte-americanos da segunda metade do século XX. Numa imagem de círculos concêntricos, a obra de Duncan é central, decerto inaugurando novos centros de movimento que, de forma complexa, se alargam, inter-agindo - com o italiano Salvatore Quasimodo, por exemplo, a quem pertence a segunda epígrafe a este livro.<br />As duas epígrafes remetem-nos, de imediato, para a unicidade entre a vida e a morte. No centro, entre as extremidades desse arco - e os ecos de "Bending the Bow" de Robert Duncan surgem bem claros - se colocará a voz do poeta deste livro, já duas vezes premiado na Itália de Quasimodo, com os poemas: "Enquanto o silêncio durar"(31),"Menção Honrosa", Concurso Internacional "Poesie Sulle Piastrelle", Zacem 2001;"A Dança das Mães" (41), Segnalazione di Merito", Concurso Internazionale "Publio Virgilio Marone", da Accademia Internazionale "Il Convivio", Castiglione de Sicília, Itália, 2003.<br /><br />No centro de um arco situado no coração da terra, o corpo se erguerá em direcção à luz (da vida) e, nesse acto de encontro criador, amorosamente, irá criar a sua própria morte - a sua própria e repentina "noite",diz Quasimodo: dois raios de uma mesma luz, numa única promessa que é passado, presente e futuro.<br /><br />Também como Duncan - e os românticos, em geral - João Rasteiro escolhe a metáfora da árvore como corpo representativo, devolvendo-nos, desde logo, a uma concepção de escrita que se pretende orgânica e física. A primeira secção do livro,"Tronco", procura a visível concretude do acto/corpo/poema. Logo no seu primeiro texto, deparamos com o divino hálito inspirador feito agora respiração humana, bafo nos dedos que agem sobre a palavra - acto nas linhas do arco. A escrita surge como acto de amor e vida, no tempo único entre caos e ordem, entre trevas e luz, trabalho realizado numa espécie de vigília que passa, do assombro, à "lucidez do corpo". Essa é a "nitidez" do processo, uma nitidez – uma forma/poema/corpo do poeta - "em constante mutação", como os dedos do autor/criador. A presença do corpo, a presença da pura materialidade que é a forma, surge como única e total presença do sagrado.<br />De resto, todo o vocabulário escolhido por Rasteiro se encontra eivado de uma profunda religiosidade, produzindo-se um efeito ritualístico, em que a voz do poeta nos capta, de forma encantatória, como uma voz de sacerdote, a voz daquele que encena o ritual. O tom conclusivo dos textos apresenta-se como uma espécie de catarse: uma espécie de momento de aprendizagem, de momento de iluminação, que se encena uma e outra vez. Por outro lado, este carácter repetitivo parece traduzir também o carácter físico do acto criador, num registo metafórico que nos traz, além da sensualidade, a própria sexualidade como princípio sagrado, presente em toda a natureza: no "sémen dos frutos" (19); no tronco que "avança decidido para o útero do fogo" (20), mergulhando na terra que "é fêmea" (21), no "desenho branco no odor da fêmea" (22), em "lume de cerejas de carícia em carícia"(24). Esta "embriaguez do verbo vegetal" (25) lembra-nos rituais dionisíacos e também o grande poeta do sagrado do amor e da embriaguez, Rumi (veja-se, por exemplo, o poema "Horizonte imediato" (22). Contudo, em Rasteiro, mais do que com a celebração deste amor e desta embriaguez, confrontamo-nos com um processo penoso de crescimento (que é também o da escrita), em que a perda dos sonhos e a procura da lucidez possível se vão desenhando em agonia difícil - por entre a manutenção dos opostos, mais do que por entre antíteses - e onde o poeta aprende "difícil (...) a arte do silêncio" (25). Trata-se de uma arte que se faz em luta - e o carácter agónico presente na metáfora do arco e da flecha assume aqui a sua verdadeira dimensão.<br />No poema "Círculo" (23), o poeta fala-nos da imensa crueldade deste movimento, desta luta, em que a abertura para uma nova imagem parece irromper violentamente dos membros, num espécie de parto que, como sabemos, para criar, destrói: "parte" a imagem/corpo de onde nasce, como se dois arcos (de vida, mas também de morte) se acoplassem para formar um só círculo. O início das duas primeiras estrofes faz-se pela negativa, bem marcada pela pausa:"Ninguém"; "Nada".Porém, a terceira estrofe inicia-se na plenitude: "Extensa". A morte paira e, perante essa sombra, o trabalho alquímico sobre as palavras manifesta-se no objectivo, sempre inatingível, de dizer toda a dimensão do real. A consciência da sombra leva ao desejo, às "palavras em fogo", mas o acto pela vida revela-se como um "suicídio calculado", no conhecimento de que toda a criação transporta a sua própria destruição. No último poema de "Tronco", "O sopro da língua" (28), o poema/corpo/tronco surge-nos como "arco do sopro/do som" e, nele, todas as forças da natureza - a linguagem incluída - se encontram, "a pulsação das sílabas sobre os pulsos abertos", para se reconhecerem como matéria desse mesmo corpo(numa irmandade que evoca S. Francisco), celebrando-se "num só corpo estendido/para uma silenciosa festa de irmãos".<br />Este silêncio é identificado como a raiz, sendo "Raízes", precisamente, o título da segunda secção da obra. É no silêncio que o poeta mergulha, como amante, dele extraindo alimento. Em "Círculo Total" (32) se fala dessa procura de alimento, numa espécie de pré-história do poema e do humano, em que o poeta se faz caçador, mas também nómada e peregrino - seguindo o trilho e o caminho da palavra, como sustento infinito. Este regresso ao arcaico, à raiz da civilização, mantém-se ao longo de toda esta segunda parte da obra. Nela encontramos o percurso humano: caçador (32), guerreiro (33), ferreiro e alquimista (33-34), trabalhando os metais na demanda da luz."Na lucidez do círculo" (35) parece descobrir-se a escrita, "um espaço onde se lêem linhas", que é "um espaço mutilado", onde encontramos, de novo, "o bafo do animal vacilante", a respiração humana - do selvagem/poeta que, na palavra, procura o fim do movimento: um sonho/sopro que termina calcinado pela própria luz/fogo que tanto deseja como absoluto. Esta parece ser a lucidez do círculo.<br />A água e a pedra acalmam este fogo, logo no poema que se segue, assim, de novo, se reconhecendo a unicidade divina e absoluta do tempo, do corpo e do sonho. Neste "lugar legível" (36), que adiante surgirá como "transpiração da terra", o poeta se alimenta (37). Quase poderíamos dizer que esta secção do livro é também sobre o cultivo, a(gri)cultura da palavra, que é também a terra e o corpo da amada. Nesta palavra/terra/amada, o poeta penetra, fazendo-se raiz, para daí se erguer como árvore. Daí, a necessidade do sulco do arado: a necessidade das linhas da escrita do poema. Há que macular o corpo da terra/linguagem/amada para poder sobreviver: esse é o pecado inevitável e a queda feliz - "e depois sentir-me capaz de caminhar no incêndio/enfeitado nas tranças da serpente"(40), diz o poeta. A imagem final desta segunda secção do livro deixa-nos, então, os dedos do poeta a soltar a flecha, uma flecha feita "borboletas" que, em vez de voarem para o alto, voam em direcção à terra, assim a fecundando.<br />Todo o trabalho de Rasteiro sobre a imagética nos faz pensar em metamorfose. Não se trata de sobreposição de contextos, mas de uma passagem sintáctica, extremamente subtil e veloz, que nos transporta de metáfora em metáfora, através de uma multiplicidade de contextos. Lidando com um léxico de enorme simplicidade, quase sem recurso a abstracções, o poeta consegue, assim, um trabalho em que a complexidade se traduz num excesso quase barroco, de onde emergem momentos de iluminação que, circularmente, se repetem.<br />Em "Folhagem", última secção do livro, as imagens de aves e de voo dominam. Entre as duas extremidades do arco, entre a vida e a morte, só o acto é libertador. Em última instância, só o movimento das folhas importa, só a flecha solta para uma qualquer direcção. No desejo, sempre a mesma ilusão - a ficção credível, que nos sustenta a vida, diria Wallace Stevens: a sua Suprema Ficção sendo a poesia. Rasteiro chama-lhe "a ilusão maior" (45), para onde há o infinito "retorno" (46). Esse é o "rito inesgotável" (49), em que a redenção se torna possível. Algo de arcaico, "teia dos velhos deuses", chama-lhe o poeta, para cobrir uma "ignorância originária".Sobre esse rito, sempre a mesma morte pairará mas, na consciência da lâmina, a vida continua a fazer-se:"as florestas respiram na planície do corpo".<br />O voo da árvore/poema/poeta é vertical (53), sempre em direcção à luz e à terra, sempre no centro do arco; o ciclo sempre a repetir-se na folhagem que "regressa eternamente/e forma pares imprevisíveis" (53) - e forma novas associações, e forma novas metáforas, poderíamos dizer.<br /><br />O último poema de No Centro do Arco deixa-nos a dificuldade do caminho, "Sob o azul" (55), e uma árvore alquímica, imperfeitamente criada, na ilusão da permanência que é a permanência dos metais: em vez de ouro e luz, esta árvore é "bronze aceso como luz" e "ferro" que, porque criação humana, será "fulminante" para o seu criador. No entanto, esta árvore revela-se também como o novo hálito deste criador, "as suas mãos ávidas de boca" - a suprema ilusão da criação humana, sob o azul, no centro do arco. Esse é o lugar/tempo único que o poeta João Rasteiro conhece como seu. Essa a sua reconhecida ilusão, o seu único absoluto, a sua única promessa.<br /><strong>GRAÇA CAPINHA</strong> - Professora, ensaísta e coordenadora da Oficina de Poesia - F.L.U.C./U.C.</div>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-24544044369496641152008-02-10T08:40:00.000-08:002008-12-11T17:01:19.850-08:00Livros III<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhW3SHar4A9MxRG4gfgxs1oRCTv_IWc3xZj5hUNLb1dInET7UQHqVB_bJzd-oewfMxLigpYCHU5cwGESEt7-o0UGqbdpQCi3qnWV2GRKDYIkKsVlmcL-v7DKgl3RVJupm1DgjrVrUutdD0/s1600-h/No+centro+do+arco.(doc.1).gif"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5165392605322764514" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 177px; CURSOR: hand; HEIGHT: 249px" height="239" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhW3SHar4A9MxRG4gfgxs1oRCTv_IWc3xZj5hUNLb1dInET7UQHqVB_bJzd-oewfMxLigpYCHU5cwGESEt7-o0UGqbdpQCi3qnWV2GRKDYIkKsVlmcL-v7DKgl3RVJupm1DgjrVrUutdD0/s320/No+centro+do+arco.(doc.1).gif" width="166" border="0" /></a> <strong><em><span style="color:#3333ff;">Onde se perde a asa</span></em></strong><br /><span style="color:#000000;">Calcário de flores despidas</span><br />nos homens com cio já purificado<br />o silêncio do barro<br />em lãminas de aço róseo<br />e nas mãos o óbolo último<br />onde se perde a asa de outrora<br />anónima e vazia<br />desflhando relâmpagos sobre mim.<br /><span style="color:#ff9900;">.</span><br /><span style="color:#000000;">Se o paõ for invadido pelo sal</span><br /><span style="color:#000000;">vejo frágeis pulmões em agonia</span><br /><span style="color:#000000;">no silêncio que irá prostituir as palavras.</span>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-39338026485699967672008-02-05T04:38:00.000-08:002008-02-05T04:42:30.760-08:00Poema IVAlgum dia o teu corpo alastrará<br />como cães sem boca e olhos esboroados<br />serás escondido em toalhas de musgo<br />um embrulho de carnes malditas<br />onde os indesejados pernoitam velados<br />nas noites em que os ecos se dissolvem nus.<br /><br />Os teus irmãos esquecerão o teu aroma<br />como no principio divino dos abutres<br />no silêncio acercará alguém à cidade<br />para apagar os vestígios desnecessários<br />nas vozes que habitam os íntimos pomares<br />os frutos rutilantes nas escoras urbanas<br /><br />nesse lugar tu estarás na dilatada blasfémia.João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-90496662023520730682008-02-05T04:13:00.000-08:002008-12-11T17:01:20.078-08:00Ensaio II<div align="justify"></div><div align="justify">Não se nasce poeta. No entanto, acredito que alguns nascem com algumas propen<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh0e7kPwdiJIobgRhnEOFGPpfAekfaZkrf3kVhbF2S9Q0AxoQKmq8A8F7Wnlcc48kNiyAmX_IAI49w_qpmzj1n0ZCs0ZZjG7VE06n7z4Qx51McUHS4m8DN-PDYZGiJGs4StJ2xbCD3lX5Q/s1600-h/Algo+veloz.(doc.1).jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5163469941155075010" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 123px; CURSOR: hand; HEIGHT: 188px" height="255" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh0e7kPwdiJIobgRhnEOFGPpfAekfaZkrf3kVhbF2S9Q0AxoQKmq8A8F7Wnlcc48kNiyAmX_IAI49w_qpmzj1n0ZCs0ZZjG7VE06n7z4Qx51McUHS4m8DN-PDYZGiJGs4StJ2xbCD3lX5Q/s320/Algo+veloz.(doc.1).jpg" width="129" border="0" /></a>sões para poderem vir a emboscar-se no acto poético. Contudo, a leitura, o estudo, a prática, o intenso exercício de oficina, escrevendo e reescrevendo, são essenciais para talvez se vir a ser um excelente poeta. E é tudo isso que Andityas Soares de Moura é, fez e continua a fazer. Conjuntamente com nomes como Iacyr Anderson de Freitas, Claudia Roquette-Pinto, Ricardo Aleixo, Claudio Daniel, Fabrício Carpinejar ou Márcio André, é, sem dúvida, hoje, um dos mais expressivos poetas da poesia contemporânea brasileira.<br />Soares de Moura possui a capacidade de conjugar a sua alta erudição (ao grande domínio da língua e cultura latinas, alia um tratamento de grande intimidade com os poetas provençais e escreve com a mesma facilidade e docilidade com que fala mineiro) com a realidade que o cerca como espigões acesos, "um/som//:o do peito sendo aberto/".<br />Em Soares de Moura encontramos uma poesia quase sempre espalhada no branco da página, assente em formas rebeldes, mas ajustadas numa escrita concisa, onde a preocupação extrema com a estética das palavras é reflectida na sua sonoridade. Sendo um poeta virado para o real, para quem a poesia é a arte do fazer, é a arte e faculdade poética, mas sempre como <em>poiesis</em> – criação, cri(ação) sob todas as arestas -, a sua poesia é "tudo que respira/canta a glória de estar/por enquanto,//e só por enquanto,//vivo/".<br />Soares de Moura não concebe a arte poética, se esta não questionar constantemente o real, como se a poesia fosse o último guerreiro atento à tirania do poder, à tirania da própria linguagem. A arte e a poesia ao serviço do <em>carpe diem</em>, do ensejo único, o nosso.<br />Como refere o poeta Glauco Mattoso, a poesia de Andityas Soares de Moura, "oscila entre o moderno e o arcaico, com traços concretistas namoriscando o mais arrevesado latinório", que embebida numa alta tensão lírica, fará decerto de Andityas Soares de Moura um dos nomes maiores da poesia brasileira deste desencorajado início de século. </div><div align="justify"><strong><span style="color:#ff0000;"><em>João Rasteiro</em></span><span style="color:#3366ff;">(*)</span><span style="color:#000000;">, Dezembro</span><span style="color:#000000;"> de 2007</span></strong></div><div align="justify"><span style="color:#3366ff;"><strong>(*)</strong> </span><span style="color:#000000;">Texto incluido na Badana/Orelha da Antologia de Andityas Soares de Moura: <strong>"Algo Indecifravelmente Veloz" -</strong><em> edium editores</em></span></div>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-63977817558709965502008-02-05T04:05:00.000-08:002008-12-11T17:01:20.543-08:00Cartas III<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgyWaX4uHcHerBZVFSdYUJxDU8KuUUDo-GgVL1aUbmgU3vW3bYXJdYhXX24RNpqpFnhl9WlBQQQnuhC1F2vCZ_wj5mGpt8e3RhX9ULou6-X19z7Xc9trlZoK6-hbCK-szhPEUtjtHwv9fU/s1600-h/novo-voto.F.Lemos.(doc.1).gif"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5163467613282800562" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 216px; CURSOR: hand; HEIGHT: 376px" height="376" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgyWaX4uHcHerBZVFSdYUJxDU8KuUUDo-GgVL1aUbmgU3vW3bYXJdYhXX24RNpqpFnhl9WlBQQQnuhC1F2vCZ_wj5mGpt8e3RhX9ULou6-X19z7Xc9trlZoK6-hbCK-szhPEUtjtHwv9fU/s320/novo-voto.F.Lemos.(doc.1).gif" width="272" border="0" /></a><br /><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div><div></div>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-1536199460088570612008-02-05T03:27:00.000-08:002008-12-11T17:01:20.718-08:00Recenções I<div align="justify"> <strong><span style="font-size:78%;color:#cc0000;">Graça Capinha e João Rasteiro</span></strong></div><div align="justify"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjDZaxmvr4T5LedWLvi3iP8iWCVd0bFiQDLJB46fPSG0RYL3VC7fKd3mOQgIdTyA9mb_YvFW9B4ZVJgHQUXLqrmRSBQFwaynMvPRRTdFxw2js-1yqydXRBtY99TO6xyCe5P0S15ElwtTnU/s1600-h/Gra%C3%A7a.K.(doc.1).jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5163462966128186274" style="FLOAT: left; MARGIN: 0px 10px 10px 0px; CURSOR: hand" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjDZaxmvr4T5LedWLvi3iP8iWCVd0bFiQDLJB46fPSG0RYL3VC7fKd3mOQgIdTyA9mb_YvFW9B4ZVJgHQUXLqrmRSBQFwaynMvPRRTdFxw2js-1yqydXRBtY99TO6xyCe5P0S15ElwtTnU/s320/Gra%C3%A7a.K.(doc.1).jpg" border="0" /></a>Gostaria de começar esta apresentação da primeira obra deste jovem autor, chamando a atenção para o seu título: <strong><em>Respiração das Vértebras</em></strong>. Porque é um título que tem que ver com uma grande tradição da escrita desde o início de um século que entretanto acabou, o século XX. Fala-se hoje muito da escrita do corpo e do corpo da escrita, mas foi a grande revolução modernista, de há precisamente um século atrás a grande responsável pela recuperação do corpo para a literatura. E a ruptura que isso significou não se deu apenas, e nem se quer de forma mais importante, ao nível dos paradigmas éticos ou morais. A ruptura mais importante deu-se e continua a dar-se, porque ainda não acabou e o seu desafio continua - ao nível dos paradigmas dominantes no próprio pensamento do século XX e deste agora nosso século XXI.<br />Qual é o corpo da escrita? Corpo humano e corpo da linguagem? Qual a natureza da sua materialidade? Qual a natureza da matéria humana que lhe dá forma? E ao pensamento forma? E ao pensamento transfigura? E nessa transfiguração, a nós próprios e à imagem do mundo nos faz irreconhecíveis?<br />Diz o poeta João Rasteiro, em Mutação (pp. 26-29):<br /><br />1 (...)<br />a boca cheia do corpo </div><div align="justify">onde o coração se consome agachado e devagar </div><div align="justify">uma sincera cegueira </div><div align="justify">desde a respiração palpitante entre as bocas </div><div align="justify">e as guelras onde levita a carne. </div><div align="justify">(...) </div><div align="justify">3 </div><div align="justify">Entrando pelas fendas, batendo, rebentando </div><div align="justify">nos brônquios a válvula do corpo </div><div align="justify">de um corpo de pedra em perda </div><div align="justify">prisioneiro de formas em que não cabe </div><div align="justify">polpa asfixiando o caroço </div><div align="justify">nas raízes doces do útero permissivo. </div><div align="justify">4 </div><div align="justify">Onde o fogo lambe as cicatrizes </div><div align="justify">há um homem debaixo da pele.<br /><br />Lia, há apenas alguns dias, com os meus alunos de poesia contemporânea, os poetas ingleses da Primeira Grande Guerra. Alguns daqueles que morreram nas trincheiras, questionavam - então de forma extrema(foi no século XX, e este não parece ir melhor...) - a questão da escrita e do corpo. Perguntavam-se pela escrita no corpo, aqueles soldados/poetas, perante a mutação humana das formas mutiladas. Perguntavam-se pelo melhor dos mundos que a modernidade lhes prometera e deixavam-nos quase sempre na entropia do silêncio ou na exigência do dever de ficar loucos."Só tenho as mãos à frente, entre o rosto e a fogueira", diz-nos Herberto Helder, numa das epígrafes que João Rasteiro escolheu para iniciar este livro. Estas são as mãos que escrevem, as mãos da escrita - que se queimam quando a fogueira se aproxima: a fogueira de um mundo (quase sempre em chamas, neste século ora terminado) que verdadeiramente nos leva ŕ criação: apenas o nosso mundo da matéria e do corpo - sem nada de metafísico. O fogo divino, tal como Nietzsche anunciava na sua morte de Deus, tem por força que se transformar num fogo meramente humano, na sua grandiosa insignificância - essa grandiosa insignificância que João Rasteiro escolheu celebrar.<br /><br />Esta é a fogueira que mutila o corpo e que dolorosamente se inscreve na página, criando novas formas humanas (formas que se procuram mais verdadeiras) através dessa inscrição numa página que arde, pois essa é a página da nossa História. E é a linguagem no centro desta história que este livro interroga e questiona de forma agonista. Como diria um dos meus poetas favoritos, Robert Duncan: um livro que se constrói como uma larva dentro do seu casulo, lutando contra a própria matéria que lhe dá vida, para se libertar e nascer forma outra - uma borboleta."Rebentando os diques dos seus membros" (p.17),afirma Rasteiro - lutando contra o corpo da linguagem por uma linguagem que há-de por força ser outro corpo. Podemos ler em "Sobrevivência" (pp. 15-18):<br />1<br />uma quantidade de sopro e dor </div><div align="justify">apenas com a luz das suas feridas (...) </div><div align="justify">3 </div><div align="justify">O canto que se perde nas searas da língua </div><div align="justify">a subtileza de desenhar promessas </div><div align="justify">rebentando os diques dos seus membros </div><div align="justify">desafiando a teia que inunda a nudez da carne </div><div align="justify">na hora inquieta da respiração suspensa. (...)</div><br /><div align="justify">Um poema sobre a sobrevivência dura, agónica, que encontra o seu limite na forma que não dá mais de si: o fruto maduro. O mesmo limite que encontramos na secção 4 do mesmo poema, em estrofe de verso único:" A sobrevivência dura num gosto de ameixas maduras". Estamos perante uma poesia que se escreve nos limites, nos limites da criação (o fruto maduro) e nos limites da linguagem que a serve. Esta é a poesia inaugurada pelo modernismo no que o modernismo significou de questionação da própria modernidade: de questionação do sentido do moderno e do progresso. Este, o corpo da linguagem que se constitui como ruptura epistemológica, ainda impossíveis de conceber. Aí reside o limite e o agonismo, porque é uma luta a partir de dentro, uma luta pela imensa possibilidade em cuja margem nos damos conta existir:<br />"A Margem" </div><div align="justify">(...) </div><div align="justify">2 </div><div align="justify">O vento bate nos ramos da margem </div><div align="justify">enquanto a pedra queimada no centro </div><div align="justify">anuncia as bagas </div><div align="justify">que rolam na ressaca cozida </div><div align="justify">em pêndulos e frágeis </div><div align="justify">a nudez e a cegueira </div><div align="justify">o mosto aberto do búzio encantado. </div><div align="justify">3 </div><div align="justify">Até ao centro onde pulsa a margem </div><div align="justify">enredo a respiração sob os dedos ponteados </div><div align="justify">no búzio onde as constelações se incendeiam </div><div align="justify">ao sopro das pétalas repisadas </div><div align="justify">na cor moribunda dos frutos. (...)<br /><br />Nascemos pois para a infinita possibilidade e não para a necessidade; nascemos apenas para uma mortalidade feliz em que o todo da criação permanece por terminar: o todo da criação onde tudo permanece incompleto - à espera da acção, à espera da participação individual na transformação da matéria, à espera desse acto gratuito que estabelece a relação entre os elementos, a relação entre as palavras, a relação entre os corpos. À espera, tão simplesmente, do princípio repetido e, por isso, co-primordial, de um acto de amor. Esta é uma poesia agonista e de limite, mas também, e simultaneamente, uma poesia em que o processo alquímico do estabelecimento de relações produz a transfiguração per-manente do mesmo e nisso se regozija, celebratória: respirando as vértebras. Como um recém nascido, que inspira pela primeira vez o ar e aí se reconhece corpo, fora do limite do ventre da mãe, entrando agora e apenas no limite de si próprio, no limite das suas próprias vértebras ao ar nos pulmões. Afirma o poeta, em "Respiração das Vértebras" (pp. 9-14):<br />1 </div><div align="justify">No íntimo do caos </div><div align="justify">o corpo flutua no infinito desigual </div><div align="justify">dos últimos milénios </div><div align="justify">às vezes troca de morada </div><div align="justify">e na casca trémula da pedra </div><div align="justify">ensaia uma fuga abstracta </div><div align="justify">em volta do seu corpo </div><div align="justify">um poder feminino </div><div align="justify">o misterioso feminino que dizem ser </div><div align="justify">uma pequena concha imortal. (...)</div><div align="justify">4 </div><div align="justify">No cerne do fogo na argila da criação </div><div align="justify">os corpos interrogam as coisas e emudecem </div><div align="justify">o deslumbramento do primeiro dia </div><div align="justify">o fascínio da descoberta sobre </div><div align="justify">um corpo intensamente só. (...) </div><div align="justify">6 </div><div align="justify">Os corpos necessários no remoinho da garganta </div><div align="justify">desaparecem como floresta abatida </div><div align="justify">como a folhagem iluminada das antigas idades </div><div align="justify">a respiração duradoura e frágil </div><div align="justify">o salto imortal de uma miragem. </div><br /><div align="justify">O salto imortal é o repetido salto para a eternidade do processo que é a vida, "respiração duradoura e frágil". As antigas idades recordam-nos, sugestivas, essa passagem do humano pela História, idades que são marcas do que já não está e que contudo permanece. E a garganta faz-se então o remoinho, metonímia do humano e da linguagem, lugar momentâneo e sôfrego querer engolir o mar que é todo da criação. O mesmo lugar momentâneo e sôfrego que é o corpo da paixão do Amante pelo corpo Amado. E o corpo do amante é o corpo do poeta, tal como o corpo da amada é o corpo da linguagem, a própria poesia. Aí o poeta/amante se dá vida, respira as vértebras e se transfigura: corpo de argila que vai cozendo em novo molde, até que adormece "como espiga madura e exausta", diz Rasteiro ("Presságio",p. 23).<br /><br />Esta é a poesia do nosso século, a poesia que responde à nossa História onde as promessas de mundos perfeitos se goraram, onde o futuro parece ter falhado, sendo preciso reinventá-lo. Este, o mundo onde o poeta tem a responsabilidade de não perder a capacidade de resposta. Para tanto é preciso que os poetas sejam capazes de ousar ir à descoberta do ainda inconcebível, tal como João Rasteiro foi capaz de ousar. Por isso, necessariamente, vejo a poesia do nosso século como investigação epistemológica ou, se quisermos, como uma poesia que necessariamente deve voltar ao sentido etimológico de poiesis: fazer, construir. Urge fazer, reinventando, outras visões do mundo e para isso precisamos cada vez mais dos poetas: precisamos - desesperadamente, estou em crer - desta arte considerada tão inútil no mundo contemporâneo. A poesia será, nesse sentido, uma forma extrema de exercer o político e autores como João Rasteiro incluem-se claramente nessa tradição de demanda poética que nietzschianamente nos exige a felicidade sobre a terra. Assumir essa responsabilidade é uma tarefa difícil, que exige, tal como o poeta afirma, "feroz plenitude" e "rendição humilde", celebrando a forma grandiosa com que construímos catedrais - e cientes, como diria o grande poeta modernista norte-americano William Carlos Williams, no seu poema "Spring and All", de que entramos neste mundo nus, tendo como única certeza, assustadora, o nosso acto de entrada: a enorme dignidade de cada parto para dentro de um mundo de morte. Lembrando Williams, vejamos o poema "Obses- são" (p.42) de João Rasteiro, um poema que se constrói num jogo quase oximorónico com a rima interna:<br />Vejamos o seguinte poema:<br /><br />o lugar do sono a maçã precipitada decapitada arqueja </div><div align="justify">ela o estendal do visível </div><div align="justify">barco em agonia dicotomia impune </div><div align="justify">um corpo de outro corpo natural </div><div align="justify">no orvalho paciente inocente sopro </div><div align="justify">que enrola vértebras fendidas </div><div align="justify">ressoando a morte sorte inspirada </div><div align="justify">em símbolos de feroz plenitude </div><div align="justify">obsessiva respiração a rendição humilde </div><div align="justify">alinhada no potencial do corpo </div><div align="justify">as vozes celebrando assustadoramente </div><div align="justify">como catedrais o seu próprio parto.<br /><br />E gostava de terminar, olhando para o poema que encerra esta primeira obra do poeta. João Rasteiro termina com um texto sobre o linho: o linho antigo das toalhas dos partos e dos lençóis dos noivos, mas também, e por que não, o linho das mortalhas. Trata-se de um poema sobre esse tecido puro e fresco que nos aconchegava e nos acompanhava o corpo - que nos aconchegava e nos acompanhava a respiração das vértebras - nos seus momentos mais importantes: o nascimento, o amor e a morte. O tecido puro e fresco que, tal como o corpo, nasce cíclico do ventre materno e eternamente (pro)criador da terra:<br />"Agonia do linho" </div><div align="justify">1 </div><div align="justify">No dorso inacessível da agonia </div><div align="justify">o gelo incendiado do remorso </div><div align="justify">coze as dores com o desejo </div><div align="justify">nas asas suaves do bafo mal abençoado </div><div align="justify">aguardando pacientemente em vigília </div><div align="justify">o pássaro que procura a infância. </div><div align="justify">2 </div><div align="justify">A dança mágica dos gafanhotos </div><div align="justify">anuncia o pólen sedutor </div><div align="justify">em que o corpo nascido na véspera </div><div align="justify">se acende em lâminas por dentro </div><div align="justify">sem medo de enfrentar a serpente </div><div align="justify">que domina o silêncio da falésia. </div><div align="justify">3 </div><div align="justify">A boca aberta respirando o canto das cinzas </div><div align="justify">talvez esconda o contorno do relâmpago </div><div align="justify">as pálpebras húmidas das inundas máscaras </div><div align="justify">onde a respiração das vértebras chega a prender </div><div align="justify">o desespero sobre as colinas do linho. </div><div align="justify">4 </div><div align="justify">Na sedução do rosto onde ardem os lírios </div><div align="justify">no espelho em cuja solidão se vê o homem </div><div align="justify">um Deus reduziu a nada a memória que </div><div align="justify">por dentro do forro do linho se escoa. </div><div align="justify">5 </div><div align="justify">Nos pomares cresce a mortalha do linho quebrado. </div><div align="justify"><span style="color:#000000;">.</span><br /><strong>In, Capinha,Graça (<span style="color:#ff6666;">*</span>); Revista "<em><span style="color:#33ff33;">OFICINA de POESIA</span></em>"(Revista da palavra e da imagem),nº O - II SÉRIE – Coimbra - 2002 </strong></div><div align="justify">(<span style="color:#ff6666;">*</span>)Professora de literatura na Universidade de Coimbra, ensaísta e coordenadora da Oficina de Poesia - F.L.U.C./U.C.</div>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-38072805803483831702008-02-05T03:12:00.000-08:002008-12-11T17:01:20.930-08:00Livros II<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgmq90Qgu9Ee7BqognpC0enKLVjHwA8wQFOrdADeGAAJpkKjDediyAARGxlPLguhb5qKdkDwcYAYXG3_dCUc__FCFwn4AFoqZVXOC10h_bX5gPigQWOuw3Br-fgd9LA5AYRiFcVSbmXLoc/s1600-h/A+respira%C3%A7%C3%A3o+das+V%C3%A9rtebras.(doc.1).gif"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5163452615257002898" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 188px; CURSOR: hand; HEIGHT: 269px; TEXT-ALIGN: center" height="250" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgmq90Qgu9Ee7BqognpC0enKLVjHwA8wQFOrdADeGAAJpkKjDediyAARGxlPLguhb5qKdkDwcYAYXG3_dCUc__FCFwn4AFoqZVXOC10h_bX5gPigQWOuw3Br-fgd9LA5AYRiFcVSbmXLoc/s320/A+respira%C3%A7%C3%A3o+das+V%C3%A9rtebras.(doc.1).gif" width="195" border="0" /></a><strong><span style="color:#cc0000;"> 1.</span></strong><br />No íntimo do caos<br />o corpo flutua no infinito desigual<br />dos últimos milénios<br />às vezes troca de morada<br />e na casca trémula da pedra<br />ensaia uma fuga abstracta<br />em volta do seu corpo<br />um poder feminino<br />o misterioso feminino que dizem ser<br />uma pequena concha imortalJoão Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-47214589236890361022008-02-04T13:32:00.000-08:002008-02-05T04:43:06.202-08:00Poema III<strong><span style="font-size:130%;color:#33cc00;">A memória do nome<br /></span></strong><br />Esmaga em prensas de laje os golfos do nome<br />dir-se-ia um nome de larva ou sílaba azeitada<br />e o corpo está enrijado como Jesus a prumo<br />ser imponderável revestido de folhas brancas,<br /><br />sob o arco da língua retesada os cascos surdos<br />esta boca imunda em lava aberta esta tribo<br />e o fogo nas mãos como soldas no centro do ar<br />o ritmo asfixiante do verbo o hálito sangrento,<br /><br />toda a cegueira da sombra das liras espiando<br />ó bem amado nome diluído na refracção do eco.<br /><em><span style="color:#33ccff;">João Rasteiro</span></em>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5753980786487817980.post-51406432396249454712008-02-04T13:24:00.000-08:002008-12-11T17:01:21.223-08:00Cartas II<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEizw98-NrB2vLvCvivNI5cScblmGE0W2M3laV2fG7xxgqv_2YzITP72M1hluRr69VBSeFVm56us0GroZFDMz49EhJiXxxqL9lU0dSAQyPCcwhoF1N4kvugJbrgWqh0uZSK2LgMLkFOg8u8/s1600-h/sombra-e-%C3%A1gua-fresca.F.Lemos.(doc.1).jpg"><img id="BLOGGER_PHOTO_ID_5163240327908463490" style="DISPLAY: block; MARGIN: 0px auto 10px; WIDTH: 245px; CURSOR: hand; HEIGHT: 394px; TEXT-ALIGN: center" height="364" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEizw98-NrB2vLvCvivNI5cScblmGE0W2M3laV2fG7xxgqv_2YzITP72M1hluRr69VBSeFVm56us0GroZFDMz49EhJiXxxqL9lU0dSAQyPCcwhoF1N4kvugJbrgWqh0uZSK2LgMLkFOg8u8/s320/sombra-e-%C3%A1gua-fresca.F.Lemos.(doc.1).jpg" width="178" border="0" /></a><br /><div></div>João Rasteirohttp://www.blogger.com/profile/11476198360977653380noreply@blogger.com0