domingo, 3 de fevereiro de 2008

Poema I


O cântico das pragas
É das palavras ateadas
que irradia a morte soberana
os lugares sitiados a blasfémia do silêncio.
Todos morrem nas palavras disponíveis
apenas os corvos tristes
a quem soldaram o bico no fulgor da prata
suspendem astutamente a morte
no branco das túnicas da água visível.
É nesse espaço ancestral
onde antes iam os homens sedentos
alimentar a fractura das vísceras
bebendo de rastos com as cobras
que a chuva desaba geométrica
estilhaçando o alastro da garganta
que guarda as sílabas com aroma de tílias.

O homem está morto dentro do poema
como a linguagem das antigas escrituras
e é o seu corpo que brilha através do branco.
As cobras emergem do chão
abrigam-se dóceis nas túnicas álgidas
acercam-se do corpo do homem exposto
iluminadas em sua própria loucura.
Engolem os restos da carne corrompida
e inexplicavelmente poupam-lhe os olhos
depois saboreiam o que lhes vai consumir
para sempre a língua o coração das entranhas.

O segredo absoluto e divino do extermínio do verbo.
João Rasteiro

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